A pandemia COVID-19 tem dominado a atenção mundial durante meses, devido aos efeitos socioeconômicos que tem causado pelo mundo inteiro.
Entre janeiro e abril, a China, a segunda maior economia e o maior país exportador e importador do planeta, parou a produção, provocando uma queda acentuada dos mercados acionários.
Mas Pequim está mostrando sinais de recuperação, ao passo que a maioria dos países ainda tem um prognóstico cauteloso quanto ao impacto sanitário, econômico e social que sofrerá, conforme afirmou Decio Machado, especialista de origem hispano-brasileira, que vive no Equador há anos, à Sputnik Mundo.
Enquanto as outras grandes economias globais como a União Europeia e os EUA tiveram seus primeiros casos de COVID-19 em janeiro, o atraso na tomada de medidas levou a uma crise sanitária. Essa falta de respostas levou à incerteza relativamente a a estabelecer um prazo de suspensão das medidas de isolamento social, que estão interrompendo a produção, o comércio e as atividades em geral.
Neste contexto, a imagem internacional de Pequim é diferente da de Washington. Enquanto a China implanta ajuda humanitária e médica em todo o mundo, o país governado por Donald Trump é até acusado de apreender suprimentos médicos destinados a parceiros estratégicos como a Alemanha, e de impedir que países como Cuba, Irã ou Venezuela de receberem apoio humanitário e financeiro para lidar com a pandemia.
Reposicionamento já começou
"Isso faz parte do novo reposicionamento de certos países", disse Machado, se referindo a esse fenômeno que tem a China como referência de um novo estilo, que está mudando a dinâmica das relações internacionais e quebrando preconceitos históricos.
"Sempre aconteceu, especialmente na América Latina, onde nos diziam que a cooperação russa era interesseira, que a cooperação chinesa também era interesseira", disse o entrevistado. "Já a cooperação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional [USAID, na sigla em inglês] era vista sob um véu de publicidade como algo que tinha traços mais humanitários", sublinhou.
Desde a sua fundação em 1961, a agência está associada à promoção de desestabilizações e golpes de Estado no interesse da política externa de Washington.
"Estamos testemunhando um ponto de inflexão nessa lógica. Na Europa é exatamente o mesmo: estamos vendo médicos chineses, até cubanos, se instalando na Itália para, frente à crise, propor alternativas ou soluções de políticas públicas em matéria de saúde", disse Machado.
"Estamos assistindo a uma mudança focal no que tem a ver com a relação entre os países e com a hegemonia hemisférica. Penso que os Estados Unidos vão evidentemente perder posições no quadro global", acrescentou.
Para o especialista, esse acúmulo de sinais de mudança de rumo está causando "uma situação de desespero do ponto de vista político no governo dos EUA, que pode ser vista em algumas ações".
Entre elas, citou uma das medidas que em crises anteriores a Casa Branca também adotou para atender a população vulnerável: o envio de cheques de ajuda, neste caso de US$ 1.200 (cerca de R$ 6.200) para 70 milhões de pessoas.
"Pela primeira vez", enfatizou Machado, "esses cheques vão ter o rosto do presidente. Eles estão fazendo ações de natureza populista [...] Acho que o impacto da crise vai pesar na percepção que existe sobre Trump, e que a COVID-19 é o fim do populismo nos Estados Unidos".
Solidariedade vs. apreensão de máscaras
Devido à disseminação da COVID-19, a chamada guerra tecnológica entre os EUA e a China pela supremacia na implantação da tecnologia 5G a nível global passou para segundo plano.
"O coronavírus vai acelerar o processo hegemônico geopolítico da China. O desenvolvimento da tecnologia 5G, onde ela já tem vantagem sobre seu concorrente, os Estados Unidos, será incentivado", disse Decio Machado.
"Acredito que não haverá uma parada no desenvolvimento da tecnologia 5G, mas o que veremos é que a tecnologia asiática prevalecerá", disse.
Segundo Machado, o atual cenário de crise consolida a posição chinesa porque o impacto que a pandemia está tendo agora nos Estados Unidos "vai ser maior que o da China, mesmo que Wuhan tenha sido o centro da pandemia".
"Receio que será muito difícil para os EUA se recuperarem deste impacto. Vai levar muito mais tempo e exigirá um processo muito maior do que a economia chinesa, que está em vantagem tanto na guerra tecnológica e comercial como na hegemonia do sistema mundial", disse ele. "Acho que os chineses vão ser os grandes vencedores desta crise", acrescentou.