Segundo informa hoje (20) o portal Ancient Origins, cientistas portugueses identificaram quer a planta que fornece o pigmento, quer o modo de produção da peculiar tinta azul púrpura que teve várias aplicações na Idade Média.
A tinta era usada para colorir diversas coisas, incluindo tecidos, e até a casca de um popular queijo holandês, mas era particularmente utilizada em manuscritos iluminados, que eram decorados com ouro, prata ou cores brilhantes e são considerados obras-primas do mundo medieval.
Os pesquisadores lograram recriar esta tinta azul muito em voga na Idade Média, recorrendo a um livro escrito em uma língua extinta.
A tinta era conhecida como folium e era famosa pela sua tonalidade e pelas suas propriedades duradouras, o que raramente acontece com as tintas azuis.
Tal fato, refere o portal, tornou o folium muito apreciado na Idade Média. Esta tonalidade azul não era como o anil da planta índigo, ainda hoje muito utilizado, nem como os pigmentos produzidos a partir de alguns tipos de flores.
Fórmula perdida
Após a produção da tinta, esta era embebida em pedaços de linho, permitindo dessa forma seu transporte por todo o continente europeu.
Contudo, depois de Gutenberg ter inventado a primeira máquina de impressão, os manuscritos iluminados foram ficando fora de uso. Com o tempo, o folium foi sendo cada vez menos utilizado e o processo de produção perdeu-se após a invenção dos corantes sintéticos.
A receita matriz era desconhecida desde pelo menos o século XIX. Agora, uma equipe de dez cientistas conservacionistas portugueses, liderados por Paula Nabais da Universidade Nova de Lisboa, decidiram resolver o mistério de como se produzia o folium. Para o efeito, tiveram de decifrar um texto medieval do século XV sobre como produzir cores para iluminuras, tarefa que na época era executada por monges cristãos.
Scientists have resurrected a purple-blue hue whose botanical origin had been lost to time. https://t.co/WxhECkRBCs
— Science News (@ScienceNews) April 18, 2020
Cientistas ressuscitaram tom azul púrpura cuja origem botânica se tinha perdido ao longo do tempo
Traduzindo língua extinta
No entanto, este não foi um processo fácil. O livro estava escrito em judaico-português, um dialeto extinto da língua portuguesa usado pela comunidade hebraica lusitana.
Malgrado as dificuldades, a equipe logrou recuperar informação suficiente para tentar recriar o folium, descobrindo que o único ingrediente da tinta era uma pequena erva verde-prateada, Chrozophora tinctoria, mesmo não sendo o seu nome referido pelo livro medieval.
Experts Solve 1000-Year-Old Mystery of Rare Medieval Blue Ink https://t.co/af5u2p0iL3 pic.twitter.com/dw2X0C6JUF
— Cult of Amon Ra (@Cultofamonra) April 20, 2020
Especialistas resolvem mistério de 1.000 anos de rara tinta azul medieval
Paula Nabais, a autora principal do estudo, citada pelo Ancient Origins, afirmou que o livro "diz como a planta é, como os frutos são... é muito específica, também dizendo quando e onde a planta cresce, e quando você pode coletá-la".
Resolvendo o mistério
O manuscrito dá instruções detalhadas e até indica o local onde coletar as melhores plantas a utilizar. Nabais e os seus colegas viajaram até Monsaraz, na região do Alentejo, no sul de Portugal.
Recolhido o fruto da planta, do tamanho de uma pequena noz, de exemplares que cresciam espontaneamente ao longo da estrada, rapidamente se deram conta que continha um líquido azul.
Com base na sua investigação, sabiam que as sementes não podiam ser esmagadas, porque isso poderia ter impacto na extração do pigmento.
Trazidas as amostras para o laboratório, usaram técnicas analíticas para zerar a estrutura da molécula de corante, conseguindo demonstrar que o composto químico da tonalidade azul púrpura era idêntico ao do fruto da planta a nível molecular, relata o portal.
De seguida, examinaram as moléculas do fruto da planta e simularam a interação da luz com a molécula candidata, para verificar se esta lhes daria o azul desejado. Confirmado, decidiram extrair o pigmento que era tão valorizado na Idade Média, continua o Ancient Origins.
Receita recriada
A equipe decidiu então copiar os procedimentos indicados nos textos medievais. O carácter vago das instruções levou a que o processo fosse demorado. Mas, após várias tentativas e muitos erros, foi possível extrair o pigmento do fruto minúsculo, informa o Ancient Origins.
Os cientistas esperam agora que a sua recriação do folium permita ajudar os especialistas que preservam e restauram livros raros iluminados, uma vez que o corante medieval poderia durar séculos.
Para além disso, a descoberta também poderá ajudar no desenvolvimento de pigmentos mais resistentes do que os corantes sintéticos, conclui o portal.