Afetada pela pandemia, a TAP iniciou, no dia 23 de março, "um novo plano de operação que deverá vigorar até o dia 11 de maio", lê-se no site da empresa. Com as alterações, a vida dos cerca de nove mil empregados da companhia também foi afetada. A TAP colocou 90% deles em regime de layoff, uma forma de apoio oferecida pelo governo para empresas em dificuldade, na qual os trabalhadores têm os contratos suspensos temporariamente, ficam com os salários reduzidos e o poder público passa a pagar a maior parte de cada remuneração.
Ainda no mês de abril, a administração da empresa pediu socorro ao governo. "A TAP não só tem problemas de liquidez, como de sustentabilidade. Tem dívidas de € 900 milhões (mais de R$ 5,4 bi). Portanto, é uma empresa que tem dificuldades crônicas. No âmbito da crise da COVID-19, a Comissão Europeia abriu a possibilidade para que os governos intervenham nas companhias, que entrem no capital das empresas. O governo português, como é acionista já da TAP aliás, está a considerar a possibilidade de salvar a companhia com dinheiro público, dinheiro do orçamento de Estado", explica à Sputnik Brasil Susana Peralta, professora de economia da School of Business and Economics da Universidade Nova de Lisboa.
O governo português detém 50% da TAP, o consórcio privado Atlantic Gateway tem 45% e os outros 5% estão nas mãos dos trabalhadores. Para a especialista, essa estrutura administrativa apresenta problemas. "Estamos em uma situação em que um dos setores que mais vão sofrer e ter dificuldade em se recuperar é o do turismo. Não é nada claro que a empresa venha a ser viável em médio prazo. São precisos mais estudos de viabilidade. Não se percebe muito bem as condições em que o dinheiro vai ser metido na TAP, porque a estrutura acionista nesse momento é muito estranha. O governo português, a parte pública, é proprietária de 50%, no entanto só tem 5% dos direitos de decisão. Estamos em uma situação em que a governance da companhia é um objeto estranhíssimo", diz Susana Peralta.
Em entrevista ao canal RTP na noite desta quinta-feira (7), o ministro das Finanças de Portugal, Mário Centeno, disse que todas as questões relativas ao futuro da TAP ainda estão sujeitas à avaliação, inclusive possíveis valores a serem investidos. "O respeito pelo dinheiro dos contribuintes é inviolável e vai, obviamente, ser levado em conta", afirmou o ministro.
"Estamos em uma situação em que o governo já está a gastar muitíssimo dinheiro para apoiar a economia. O governo foi bastante prudente na maneira como desenhou os apoios, para não se sobre-endividar, porque Portugal já tem uma dívida pública de 120% do PIB. Por exemplo, os apoios que foram desenhados para os trabalhadores independentes [autônomos] são muito pouco generosos. Nesse contexto, vir a gastar muitas centenas de milhões de euros na TAP é um pouco estranho. Sobretudo é um pouco estranho sem fazer estudos de viabilidade", avalia a economista Susana Peralta.
Aeroporto de Lisboa, Páscoa de 2020. Nunca o espaço aeroportuário português, desde a sua criação nos anos 60 assistiu a tal confinamento. Imagens únicas captadas pelo reporter de imagem Carlos Pinota da RTP. pic.twitter.com/aeQRd1gcBl
— RTPNotícias (@RTPNoticias) April 13, 2020
Crise na aviação
Na entrevista à RTP, o ministro Mário Centeno reforçou o papel estratégico "insubstituível" da TAP para Portugal, mas reconheceu o cenário de "muita incerteza" que afeta o setor aéreo em geral.
Comandante aposentado da TAP e analista para questões de aviação em Portugal, o ex-piloto José Correia Guedes estima "consequências gigantescas" para o setor, já que as prováveis medidas a serem adotadas para retomada do fluxo aéreo parecem ser "inviáveis".
"Manter a distância social, ou seja, usar só um terço da capacidade dos aviões, nunca seria economicamente viável. Outra [medida], que já foi ensaiada em Dubai, era fazer testes aos passageiros no momento do embarque. Isso seria de alguma segurança, mas diria que haveria enormes transtornos e iria necessariamente aumentar os custos. Agora já aparecem companhias a dizer que as máscaras resolvem, sobre isso não sei dizer. Penso que em uma primeira fase irá haver uma contração e daqui a alguns anos talvez o setor se recupere", diz Guedes à Sputnik Brasil.
Segundo o especialista, a pandemia interrompe um momento de expansão internacional do setor. "A aviação já ultrapassou várias crises. O 11 de setembro, a crise financeira de 2008. Estava a viver nos últimos três, quatro anos uma fase de crescimento exponencial. Havia companhias a nascer todos os dias e uma procura enorme de pilotos. A realidade das escolas de pilotos portuguesas é que estavam cheias e as companhias estavam a absorver todos esses pilotos", diz o ex-piloto.
Sem comentar questões específicas da TAP, o analista reconhece que a empresa "precisa urgentemente de um investimento, e não só, todas as outras". "O que vai acontecer é que os que vão regressar ao mercado serão os mais saudáveis, as empresas mais frágeis receio que venham a desaparecer. Vemos agora o exemplo da Lufthansa, uma das companhias mais sólidas de aviação do mundo, passa agora por imensa dificuldade a ponto de considerar insolvência. Neste momento, perde um milhão de euros por hora. É evidente que a aviação vai ter que renascer, penso que nada vai ser como antes", analisa José Correia Guedes.
Dos 91 destinos operados pela TAP, 11 são para o Brasil. Questionada pela Sputnik Brasil sobre valor necessário de investimento, atuação do governo português, retomada de operações e situação dos trabalhadores, a companhia apenas respondeu que a suspensão dos contratos dos empregados, o layoff, foi prolongada até 31 de maio. "Relativamente às outras matérias, a TAP não tem qualquer comentário a fazer", diz a nota de resposta.