De acordo com dados compilados pelo jornal O Estado de S. Paulo no último final de semana, apenas de janeiro a março de 2020 foram gastos R$ 6,2 milhões (R$ 6.214.967,31), mais que o dobro do mesmo período de 2019. De janeiro a março daquele ano, os gastos com cartão corporativo da Presidência foram de R$ 2,5 milhões (R$ 2.513.286,42).
Para o economista, secretário-executivo e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, os altos valores gastos no governo Bolsonaro mostram alguns problemas que há muito tempo envolvem a falta de transparência com as despesas relacionadas à Presidência da República.
"Esses gastos secretos nós não sabemos para qual estabelecimento eles foram pagos, em que circunstância eles foram pagos, então isso tudo nós só temos os valores pagos pela Secretaria de Administração da Presidência, sem que se saiba no que foram pagos. Então eu acho que seria importante que nós soubéssemos", afirmou ele à Sputnik Brasil.
Os cartões da Presidência da República podem ter múltiplos gastos, desde despesas ligadas ao presidente e seus familiares – como viagens, abastecimento de veículos oficiais, e gastos com alimentação e similares –, mas eles podem também incluir despesas ligadas a organismos anexos, como Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Bolsonaro já se pronunciou a respeito do aumento dos gastos, acusando a imprensa de "falta de caráter" ao criticar os números até o momento. Além disso, o presidente ressaltou que, segundo ele, R$ 730 mil dos valores citados nos cartões da Presidência serviram para pagar a repatriação de brasileiros que estavam na China.
Castello Branco relembrou que os valores disponíveis para a sociedade são apenas o total dos gastos, sem qualquer detalhamento de quem gastou, onde gastou e o que exatamente foi adquirido. Assim, se parte dos valores se refere ao envio de aviões para trazer brasileiros de volta ao país, o presidente poderia ser mais claro.
"No caso desses aviões que foram à China, se esses gastos fossem todos descriminados, teriam inclusive evitado toda essa polêmica porque a sociedade aceitaria com naturalidade o fato de que houve gastos com cartão corporativo na viagem se fosse devidamente explicado, se foi devido ao abastecimento, às taxas de embarque, e de outras despesas dos grupos que foram até lá para repatriar os brasileiros", ressaltou à Sputnik Brasil.
Cartões: vale para qualquer gasto?
O especialista ouvido pela Sputnik Brasil explicou que os cartões corporativos foram pensados para situações emergenciais, geralmente com despesas pequenas. Antes deles, a burocracia complicava ações rotineiras, como um funcionário da Presidência tomar um táxi para levar documentos a um ministério, por exemplo. O uso de ordens bancárias dificultava o trabalho.
"O que acontecia é que muitas vezes se fazia uma ordem bancária com valor mais elevado, digamos R$ cinco mil ou R$ dez mil, e aquelas despesas de pequeno vulto iam sendo realizadas e a secretária ia guardando as notas. Quando acabavam aqueles R$ cinco mil ou R$ dez mil, ela então prestava contas e recebia uma nova ordem bancária. Então a implantação dos cartões, a meu ver, foi uma medida correta. Agora, o problema é como os cartões são usados", declarou.
Castello Branco ressaltou que, na sua avaliação, é preferível que gestores lancem mão do chamado empenho – um compromisso para um posterior pagamento –, caso exista tempo hábil, seguida da liquidação (confirmação de que o serviço foi feito ou prestado), e por fim o pagamento. Assim, o uso dos cartões corporativos deveria ser mais regrado.
O economista também alertou que há gastos que podem até ser considerados necessariamente secretos, como aqueles que estejam ligados à segurança do presidente e de seus familiares, porém os demais deveriam ser transparentes, com o máximo possível de detalhes para a sociedade avaliar.
"No caso dos gastos com o presidente, há uma análise para, por exemplo, ver se a compra diária do pão para o Palácio pode ser ou não divulgada, porque supostamente há aquela preocupação que alguém, sabendo que rotineiramente o pão é adquirido naquela determinada padaria, que isso possa gerar um atentado ou um envenenamento. Enfim, há um conjunto de regras de segurança que são sempre praticadas", prosseguiu.
Recentemente, Bolsonaro se envolveu em outras polêmicas vinculadas à não divulgação de dados de interesse público, como no caso dos seus exames para o novo coronavírus, e a discussão em torno de um vídeo de uma reunião ministerial que está no centro de um inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Castello Branco, a transparência deve ser regra e o sigilo apenas uma exceção no âmbito da administração pública, e considerando a agenda que alçou Bolsonaro à vitória nas eleições presidenciais de 2018, há um dano na imagem do presidente um aumento tão substancial nos gastos secretos. E, ao contrário do primeiro ano de governo, em 2020 não houve um governo de transição.
"A divulgação desses dados e, sobretudo, o crescimento desses gastos comprometem em parte o discurso do presidente que foi sempre muito contra a existência desses cartões. Naquela ocasião até dizíamos que os cartões não deveriam ser extintos, eles são uma forma de pagamento importante, mas esses valores têm que ser controlados. E o presidente chegou a dizer que divulgaria os seus gastos pessoais, o que ainda não o fez. Então é claro que quando vem à tona esses valores, inclusive maiores do que os que aconteceram em governos anteriores, é claro que isso contraria o discurso do presidente e compromete essa imagem de transparência que ele procurou mostrar antes de ser eleito", concluiu.