Uma equipe de cientistas da Universidade de Birmingham estudou oito crianças internadas em um hospital de Birmingham (Reino Unido) entre 28 de abril e 8 de maio.
As crianças estavam sofrendo da síndrome de Kawasaki ou do choque tóxico, e o estudo revelou que as crianças foram infectadas pelo SARS-CoV-2 semanas antes de desenvolverem os sintomas da síndrome, revelou o portal France24news.
Choque tóxico
A média de idade das crianças internadas era de nove anos e cinco dos pacientes eram meninos. Sete dos pacientes apresentavam sintomas de hiperinflamação e doença de Kawasaki.
Tendo todas as crianças dado negativo no teste laboratorial padronizado normalmente usado para detectar a presença do novo coronavírus em adultos, testes de anticorpos revelaram que as crianças estavam infectadas pelo SARS-CoV-2 e que tinham produzido anticorpos para combater o patógeno.
Os médicos que trataram as crianças garantem que os testes de anticorpos são a única maneira de identificar com precisão a presença do vírus em jovens com condição hiperinflamatória, que pode ser fatal. Os anticorpos normalmente são detectáveis a partir de 14 dias após a primeira infecção.
"Estas respostas de anticorpos muitas vezes persistem no corpo durante meses e muitas vezes muitos anos depois", afirmou Adam Cunningham, chefe da equipe de cientistas, citado pelo France24news.
Não se sabe por que a síndrome se desenvolve semanas após a infecção, mas os cientistas acreditam que ela pode ser devido a uma reação exagerada do sistema imunológico do organismo, fazendo com que ele fique fora de controle, podendo danificar as células do corpo.
A síndrome que afeta crianças tem sido provisoriamente chamada de síndrome inflamatória pediátrica multissistêmica temporariamente associada ao SARS-CoV-2 (PIMS-TS, na sigla em inglês).
No entanto, cientistas britânicos defendem que a definição da condição é incorreta porque não está "temporalmente associada" à pandemia, mas, sim, "desencadeada por uma infecção pelo SARS-CoV-2".
Sintomas
A maioria das crianças hospitalizadas por esta doença tem tido febre alta por vários dias, dor abdominal severa e diarreia.
Algumas desenvolvem uma erupção cutânea e olhos ou lábios vermelhos, enquanto um grupo mais reduzido entra em choque, afetando o coração, sente frio nas mãos e nos pés e tem respiração acelerada.
Os sintomas são semelhantes aos causados pela síndrome de Kawasaki, uma doença rara mas tratável que afeta cerca de oito em cada 100.000 crianças a cada ano no Reino Unido.
Seria causado pelo coronavírus?
Os médicos estão quase certos de que a doença é causada pelo coronavírus, mas ainda não conseguiram provar.
Os casos começaram a surgir quando a epidemia de coronavírus do Reino Unido atingiu seu pico e condições semelhantes foram relatadas na China e na Itália durante a pandemia.
No entanto, nem todas as crianças com síndrome de Kawasaki deram positivo para o vírus, mas todos os pacientes deram positivo para os anticorpos, o que significa que já tiveram o coronavírus no passado.
Trata-se de um "fenômeno pós-infeccioso" que é causado por um atraso na reação excessiva do sistema imunológico, que pode ocorrer semanas ou até mesmo um mês após a criança ter sido infectada pelo novo coronavírus, sugerem especialistas.
Existe tratamento?
Sim. Todas as crianças diagnosticadas com a síndrome, exceto uma, sobreviveram. A única falecida, um menino de 14 anos, morreu de um derrame provocado pela máquina de suporte de vida à qual estava ligado.
Atualmente os médicos estão tratando a doença usando medicamentos para acalmar o sistema imunológico e aliviar o excesso de reação. As crianças geralmente ficam muito doentes por quatro a cinco dias, começando a se recuperar alguns dias após o início do tratamento.
Seis dos pacientes tiveram que ser internados em terapia intensiva pediátrica devido a problemas cardíacos e à baixa pressão sanguínea causada pela doença.
Todos apresentaram sinais positivos após o tratamento e desde então tiveram alta da terapia intensiva.
Alarme social
Devido aos relatos da mídia e às afirmações de importantes assessores e políticos de destaque de que a doença poderia estar ligada à pandemia do novo coronavírus, os pesquisadores recolheram amostras de sangue para análise das oito crianças.
Desenvolveram um teste personalizado de anticorpos com a ajuda de pesquisadores da Universidade de Southampton (Reino Unido), liderados por Max Crispin com recurso a uma cópia artificial de uma proteína-chave na superfície do coronavírus que se parece com um pica-pau.
Este "espigão" único é um identificador-chave para o vírus assassino. Max Crispin modelou as pontas da superfície da proteína, o que permitiu a sua equipe produzir uma cópia quase exata do espigão e misturá-la com amostras de sangue dos pacientes.
Os cientistas constataram que certos anticorpos se ligaram ao espigão, como se o próprio vírus estivesse invadindo.
Nos testes, os pesquisadores procuraram ver qual dos três tipos de anticorpos – IgG, IgA e IgM – estaria preso ao vírus mímico.
Leitura positiva de IgM nos testes significa infecção recente enquanto se for de IgG e IgA mostra infecção mais antiga, dizem os cientistas, segundo o France24news.
As oito crianças tinham anticorpos IgG e IgA, mostrando que tinham sido infectadas pelo SARS-CoV-2 semanas antes.
Casos semelhantes na Itália
Outras análises em outros países sugerem que a rara doença inflamatória é cada vez mais vista em crianças pequenas e que está de fato ligada ao novo coronavírus, revela o France24news.
Equipe de pesquisadores da Lombardia, na Itália - o epicentro da epidemia no país - examinaram dez casos pediátricos com sintomas da síndrome de Kawasaki.
A título de comparação, levando em consideração os últimos cinco anos, apenas 19 crianças tinham sido admitidas em prontos-socorros italianos com sintomas da síndrome de Kawasaki.
Nos últimos dois meses, os casos da doença de Kawasaki são 30 vezes superiores ao habitual, tendo 80% das crianças admitidas em hospital acusado positivo para anticorpos anticoronavírus e 60% tiveram complicações mais graves, como problemas cardíacos.
"Notamos um aumento no número de crianças encaminhadas ao nosso hospital com uma doença inflamatória semelhante à síndrome de Kawasaki quando a epidemia do SARS-CoV-2 eclodiu em nossa região", afirmou Lucio Verdoni, líder da equipe e reumatologista pediátrico do hospital Papa Giovanni XXIII, em Bergamo, na Itália, citado pelo France24news.
"Embora essa complicação continue sendo muito rara, nosso estudo fornece evidências adicionais sobre como o vírus pode afetar as crianças", disse Verdoni, exortando os pais a "seguirem a orientação médica local e buscarem atendimento médico imediato caso se sintam indispostos".
"A maioria das crianças se recupera totalmente se elas receberem cuidados hospitalares adequados", garante o especialista.
Mudar a definição de PIMS-T
A título de conclusão, os pesquisadores britânicos da Universidade de Birmingham asseguram que suas pesquisas mostram que a única maneira de diagnosticar pacientes com sintomas de síndrome inflamatória grave que testem negativo para coronavírus em testes padronizados (PCR, na sigla em inglês), é através de testes de anticorpos.
"Em nosso estudo, nenhuma das crianças acusou positiva por PCR, mas todas deram positivo por teste de anticorpos. Isso pode significar que a doença se desenvolveu depois que as crianças já tinham eliminado o vírus", afirmou Cunningham, citado pelo France24news.
"Em última análise, os testes de PCR e anticorpos têm papéis sobrepostos no diagnóstico desta síndrome. De uma forma realmente emocionante, a detecção de anticorpos também pode fornecer pistas sobre como esta síndrome se desenvolve", rematou Cunningham não sem antes propor que se abandonasse a designação PIMS-TS, uma vez que a condição do tipo Kawasaki era agora conhecida.