A reunião de 22 de abril foi apontada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova da interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF), motivo alegado pelo ex-juiz para pedir demissão do governo.
Após as denúncias de Moro, a Procuradoria-Geral da República pediu em 24 de abril abertura de investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a suposta interferência. Três dias depois, o ministro Celso de Mello, que liberou o sigilo do vídeo da reunião, autorizou o inquérito.
O ministro Celso de Mello, do STF, aceitou o pedido de abertura de inquérito para apurar as acusações de @SF_Moro contra o presidente @jairbolsonaro
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) April 28, 2020
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Para Piero Leirner, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o "resultado" da divulgação" foi a "maior peça de propaganda de governo já feita" na gestão atual.
'Caso pensado'
O antropólogo lança dúvidas sobre o que levou Bolsonaro a entregar o vídeo e acredita que tudo pode ter sido feito de "caso pensado". Para ele, "é melhor não subestimar a capacidade do governo de jogar dois passos à frente".
"Não houve relutâncias em entregar o vídeo. Na ocasião, o general Augusto Heleno poderia ter dito: 'Não entrego. Vão fazer o que?'. Já existiu um precedente. Renan Calheiros se recursou a receber notificação do STF de afastamento da presidência do Senado. O que aconteceu? Nada. Então era só bater o pé e nada ia acontecer", disse Leirner à Sputnik Brasil.
O pesquisador se refere a fato ocorrido em 5 de dezembro de 2016, quando Calheiros se recusou a receber um oficial da Justiça que trazia notificação do ministro Marco Aurélio Mello determinando seu afastamento da presidência da Casa. Dois dias depois, a maioria dos ministros do STF derrubou a liminar de Marco Aurélio e Calheiros permaneceu no comando do Senado.
Para o antropólogo, o conteúdo do vídeo não demonstra nenhuma tentativa do presidente de interferir em investigações em andamento. Além disso, diz que não há nada na legislação que proíba o presidente de nomear o chefe da Polícia Federal.
'Vídeo é peça publicitária'
"A interferência que seria problemática seria na investigação. Bolsonaro tem o direito legal de produzir nomeações e exonerações no executivo, em cargos que são nomeados, mas não nos concursados. Não há nada na legislação determinando autonomia da PF. Isso é um absurdo criado pela Lava Jato. Mas não é isso que importa. O que importa é que o vídeo é uma peça publicitária. Qualquer um pode ver isso, e certamente Celso de Mello viu. Liberar o vídeo mostra que esse processo é bem suspeito, mostra que esse conflito tem uma feição de jogo combinado", afirmou Piero Leirner.
Ministro Celso de Mello autoriza acesso a vídeo de reunião ministerial. Decisão do relator no Inquérito 4831 (Caso Moro/Bolsonaro) libera vídeo e degravação de seu conteúdo a qualquer cidadão. https://t.co/8MNNJ7DHCo
— STF (@STF_oficial) May 22, 2020
Carlos Sávio Gomes Teixeira, professor do Departamento de Ciência Politica da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda que o vídeo divulgado nesta sexta-feira (22) "não contém nenhuma prova contra Bolsonaro", no sentido de confirmar uma possível interferência do presidente na PF.
Também em declarações à Sputnik Brasil, o acadêmico opina que as imagens em questão revelam apenas "o que os analistas já sabiam com relação ao espírito sem refino intelectual dos integrantes do governo", mas, ao mesmo tempo, "sua divulgação agora foi ótima politicamente para o governo, pois desvia a atenção dos problemas derivados da crise do coronavírus, que, pela primeira vez, ameaçavam desgastar o governo".
'Vídeo mostra muito mais do que Moro sugeriu'
De opinião contrária às dos dois especialistas, Eugênia Rosa Cabral, professora e atual coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que "o vídeo mostra muito mais do que Moro sugeriu".
"Mostra o que pensa e faz o governo em vários campos: ambiental, político, cultural e social. Estou perplexa, indignada e envergonhada! Se tudo o que mostra o vídeo é suficiente para que as instituições tomem uma atitude, aí eu não sei. Não sabemos, ao certo!", disse ela à Sputnik Brasil.
Formalmente, ainda de acordo com Cabral, o conteúdo dessa reunião ministerial de um mês atrás "tem tudo o que precisa para derrubar o atual presidente", mas não é possível saber ainda "se os atores políticos estão interessados em levar o processo adiante e acabar com esse (des)governo".