A Argentina aproveitou o 191º aniversário do estabelecimento do Comando Político e Militar das Ilhas Malvinas e ilhas adjacentes ao cabo Horn por Buenos Aires para reivindicar a sua soberania sobre as ilhas Malvinas e áreas marítimas adjacentes, ocupadas pelo Reino Unido desde a Guerra das Malvinas em 1982.
"A recuperação do pleno exercício de nossa soberania sobre os territórios insulares e áreas marítimas ocupadas, respeitando o modo de vida de seus habitantes [...] constitui um objetivo permanente e irrenunciável de todos os argentinos", afirmou o Ministério das Relações Exteriores em comunicado publicado na quarta-feira (10).
Considerando que a Constituição argentina reconhece os direitos soberanos do país no Atlântico Sul, o governo de Alberto Fernández afirmou que "está comprometido com a concepção e implementação de políticas de Estado para alcançar este objetivo permanente e irrenunciável".
"Essas ações devem ser orientadas para o médio e longo prazo, para que possam durar além das mudanças de governo e melhor servir aos interesses permanentes do país, no marco da pluralidade e riqueza que caracteriza nossa democracia", disse o órgão.
Durante seu discurso inaugural na Assembleia Legislativa, em dezembro de 2019, o presidente Alberto Fernández sublinhou que "não há mais espaço para o colonialismo no século XXI".
O Executivo do país está, portanto, buscando o apoio da comunidade internacional na questão das ilhas Malvinas.
"As atividades ilegítimas de exploração e aproveitamento dos recursos naturais e a desproporcional e injustificada presença militar britânica no Atlântico Sul são ações contrárias à resolução 31/49 da Assembleia Geral das Nações Unidas", afirmou o ministério encabeçado por Felipe Solá.
Essa resolução exorta as partes a se absterem de introduzir modificações unilaterais na situação enquanto a disputa quanto à soberania permanecer pendente.
"As ações destinadas a afirmar os direitos da Argentina sobre os arquipélagos do Atlântico Sul e áreas marítimas circunvizinhas são baseadas na sincera e profunda convicção de que devem ser realizadas de forma pacífica, evitando a militarização do Atlântico Sul, e guiadas por valores humanitários universais", resumiu o ministério.
A vontade de retomar as negociações bilaterais é expressa não apenas por dez resoluções da Assembleia Geral e 37 resoluções do Comitê Especial de Descolonização das Nações Unidas, mas também por numerosas declarações de fóruns multilaterais.
Estes incluem a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Grupo dos 77 e a China, Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), o Mercosul e seu Parlamento, a Cúpula América do Sul-África (ASA) e a Cúpula Árabe-Sul-Americana (ASPA).
A Argentina reivindica a soberania sobre as Malvinas desde que foram ocupadas pelo Reino Unido em 1833.
Uma luta sem fim
Em 10 de junho de 1829, um decreto de Buenos Aires criou o Comando Político e Militar das Ilhas Malvinas, com jurisdição sobre as ilhas adjacentes até ao cabo Horn.
O especialista Agustín Romero referiu à Sputnik Mundo que o governo de Mauricio Macri (2015-2019) teve altos e baixos na gestão desta questão, alertando que a reivindicação pode perder força se a Argentina "não fizer pressão".
"Na Argentina todas as questões de política externa são relevantes, mas a questão das Malvinas se destaca", disse o especialista argentino em relações internacionais, e doutorado em Ciência Política, Agustín Romero, à Sputnik Mundo. A centralidade da reivindicação de soberania sobre as ilhas Malvinas nas últimas décadas é uma das conclusões de seu livro "A Questão das Malvinas: Um Roteiro".
O livro foi lançado em 10 de junho por ocasião do Dia da Afirmação dos Direitos Argentinos sobre as Ilhas Malvinas, data que comemora a nomeação de Luis Vernet como o primeiro comandante político-militar das Malvinas, em 1829.
Embora esta seja uma questão muito presente entre os argentinos, a obra de Romero tem a particularidade de fazer parte de uma tese de doutorado cuja metodologia, como o autor apontou, fornece "conclusões científicas" sobre o que aconteceu com a reivindicação de soberania no período entre o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), que se seguiu à Guerra das Malvinas, e a atual presidência de Alberto Fernández, que teve início em 2019.
De fato, uma das primeiras conclusões da pesquisa de Romero é que, apesar de suas diferenças políticas, todos os governos argentinos desde o retorno da democracia têm mantido a questão das Malvinas como um elemento central de sua política externa.
Romero explicou que cada governo argentino manteve a reivindicação em "dois canais paralelos: o diplomático, a nível das organizações multilaterais, e o das relações bilaterais com o Reino Unido".
Em relação ao primeiro, o especialista destacou que "ao longo dos anos temos visto uma posição única e firme da Argentina no Comitê de Descolonização das Nações Unidas, onde todos os anos a Argentina propõe exatamente a mesma coisa".
A semelhança das posições argentinas pode ser ilustrada pelo fato de que "se eu ocultar o nome do ministro das Relações Exteriores que está falando, seria muito difícil determinar quem o disse".
O segundo canal tem mostrado mudanças entre os diferentes governos, que escolheram posições diferentes em seu relacionamento com o Reino Unido. O governo Macri, por exemplo, mudou sua posição em relação à de seus antecessores Kirchner e Cristina Fernández.
"Com os governos de Néstor e Cristina Kirchner ficou claro que a Argentina estava suscitando a discussão sobre a soberania em todas as ocasiões e em todos os lugares. Por outro lado, com o governo Macri, sempre que havia uma reunião bilateral entre a Argentina e o Reino Unido, o assunto não estava na agenda", disse ele.
A presidência de Alberto Fernández marcaria uma nova mudança nesse sentido, com um estilo mais próximo ao de Kirchner e Fernández, afirmou.
Que acontece se a Argentina não pressionar?
Romero disse que o governo de Mauricio Macri não deixou de reivindicar a soberania sobre as ilhas do Atlântico Sul no Comitê de Descolonização e na Assembleia Geral das Nações Unidas.
No entanto, teve uma estratégia menos agressiva em outras áreas bilaterais, ao contrário dos governos da família Kirschner.
"A Argentina ia a uma reunião sobre energias renováveis e encontrava o ângulo certo para levantar a disputa pela soberania. O mesmo aconteceu com um encontro entre presidentes sul-americanos e africanos", referiu o especialista. Este tipo de proposta em organizações fora das Nações Unidas não teve continuidade por parte do governo Macri.
Na opinião de Romero, reduzir a ênfase da demanda tem suas consequências, pois "se a Argentina não o fizer e se ela não pressionar, ninguém vai fazê-lo por conta própria". Nesse sentido, ele disse que "ao tirar o pé do acelerador, o governo Macri permitiu acima de tudo que o Reino Unido avançasse em algumas questões".
O especialista deu como exemplo o que aconteceu com a posição do Uruguai, vizinho da Argentina e cujo principal porto, a capital Montevideo, fica a menos de 2.000 quilômetros das ilhas.
"O Uruguai era bastante controlado, muito comedido, muito próximo [à reivindicação argentina], mas como o governo Macri baixou um pouco a guarda, [o Uruguai] aproveitou e fez mais negócios, se apresentando como o porto mais próximo para retirar mercadorias".
Futuro da questão
Pensar em uma futura resolução da questão das Malvinas não é fácil, mas o apoio científico das pesquisas de Romero indica que o país manterá a centralidade da reivindicação, apesar de possíveis mudanças de sinais políticos.
Em todo caso, o analista garantiu que o momento atual mostra a abertura de quatro novos cenários internacionais onde "a Argentina vai ter que estar muito atenta" para poder levantar a questão das Malvinas.
Segundo detalhado em uma coluna publicada no jornal Clarín, se trata das negociações para o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, um eventual Acordo de Livre Comércio entre o Reino Unido e os EUA, e uma área de livre comércio entre o Mercosul e o Reino Unido.
Segundo Romero, a Argentina deve ser proativa em garantir que esses acordos não façam avançar a ocupação britânica das ilhas, e que sirvam para fortalecer a posição argentina, por exemplo, na Europa.
A Espanha, por causa de sua disputa com o Reino Unido sobre Gibraltar, e a Irlanda, por ter sempre apoiado a Argentina em sua reivindicação quanto às Malvinas, poderiam ser "parceiros naturais" neste processo, mencionou ele no artigo.