Ao longo do período da pandemia, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a exemplo de Trump, tem defendido o uso da hidroxicloroquina no combate à COVID-19. Na segunda-feira (15), a Administração de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em Inglês), agência sanitária dos EUA, emitiu um relatório desaconselhando o uso do medicamento. Mesmo assim, Trump afirmou que continuará enviando o fármaco ao Brasil.
A medida de envio do medicamento chamou atenção para o relacionamento entre Brasil e EUA que, desde a eleição de Bolsonaro, está em evidência devido ao alinhamento político e ao esforço de aproximação por parte do presidente brasileiro em relação a Trump.
Para José Niemeyer, coordenador-geral do Programa de Relações Internacionais da Graduação e Pós-Graduação do Ibmec, o relacionamento entre os dois países na conjuntura atual é "muito baseado em informalidade". Segundo o pesquisador, essa condição se sobressai mesmo diante do relacionamento formal entre os países através das chancelarias de ambos.
"O governo norte-americano trata o Brasil muito mais em uma perspectiva informal. Principalmente a partir da figura do presidente Trump. O presidente Trump preferiu criar um novo tipo de diplomacia, que seria uma diplomacia presidencial da amizade para conseguir junto ao Brasil apoios específicos principalmente na América do Sul", afirma Niemeyer em entrevista à Sputnik Brasil.
O especialista ressalta que o relacionamento entre Brasil e EUA tem foco na relação pessoal entre Trump e Bolsonaro. Diante disso, o presidente brasileiro estaria tentando aproveitar a situação, mas há quem enxergue uma certa dependência.
"Existem teóricos, cientistas políticos, que acreditam por exemplo que a não reeleição de Trump, em novembro, vai prejudicar muito a reeleição de Bolsonaro no Brasil", aponta.
Niemeyer acredita que o relacionamento histórico entre Brasil e EUA, que sempre teve padrão formal e interestatal foi transformado em uma relação de compadrio pelos atuais presidentes das duas nações, uma relação que o pesquisador condena.
"É muito grave porque você não pode tratar a agenda da política externa de um país a partir de compadrio, de relações muito baseadas em disse me disse, relações muito baseadas em pretenso relacionamento entre as duas famílias, a família Bolsonaro e a família Trump", afirma, ressaltando que a política externa brasileira sempre teve um histórico de cooperação, multilateralismo e não intervenção.
O especialista ainda vai além, e aponta que a relação tem característica "servil" de Bolsonaro diante de Trump.
"Acho que os Estados Unidos ganham muito mais nesse relacionamento que o Brasil", diz.
EUA tentam atrair Brasil para atender a interesses particulares
Niemeyer avalia que talvez este seja o pior momento para o Brasil manter essa relação com os EUA, que se baseia, segundo ele, "entre duas figuras e não entre as estruturas das chancelarias dos Estados". Os EUA, lembra o pesquisador, têm procurado atrair o Brasil com convites relacionados à OTAN e ao G7. Porém, tais convites atendem aos interesses norte-americanos que envolveriam diversos fatores.
"Por exemplo, para garantir um possível aumento no fornecimento do petróleo, sendo que os EUA tem problemas graves com a Venezuela. Segundo, também para tentar segurar um pouco a força do agronegócio brasileiro, que incomoda alguns setores do agronegócio dos EUA. Então é importante para Trump ter um aliado como Jair Bolsonaro", afirma.
Niemeyer inclui a questão da hidroxicloroquina dentro desse relacionamento e afirma que as declarações de Trump a respeito mostram o nível interpessoal da relação estabelecida. O pesquisador reitera que considera essa uma política "irresponsável" por parte do Brasil, além de "perigosa" para os interesses brasileiros de longo prazo.
"Você pode até ter um relacionamento com uma personalidade específica, mas não pode jogar anos, décadas de relacionamento multilateral do Brasil no lixo em função de uma pretensa parceria quase de compadrio com o presidente dos Estados Unidos da América", conclui.