No início desta semana, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, anunciou a sua saída do governo. Com indicativos de desempenho econômico nada animadores, Almeida é a primeira baixa da equipe econômica do governo Bolsonaro.
Apesar da política econômica ser focada em controle de gastos para sanar as contas públicas, o governo apresentou déficit fiscal de 61 bilhões de reais, 0,9% do PIB do ano passado, excluindo a conta de juros. Nesse ano, as estimativas otimistas apontam para um déficit de 700 bilhões de reais, ou 10% do PIB.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas da área econômica para entender como isso aconteceu e se estamos testemunhando o começo do fim da participação da equipe de Paulo Guedes no governo Bolsonaro.
Para o professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Wellington Pereira, a saída de Almeida do Tesouro Nacional é um indicativo de que as políticas de austeridade do governo "não entregaram os resultados prometidos".
"O secretário [Mansueto Almeida] sai do governo por não querer lidar com as contradições entre a sua visão sobre como a economia deve ser gerida e a piora progressiva da realidade socioeconômica brasileira", disse Pereira à Sputnik Brasil.
Para ele, mesmo antes da pandemia, "a economia já vinha apresentando resultados pífios": "Em 2017 e 2018, o PIB cresceu só 1,3% e em 2019 avançou só 1,1%", lamentou Pereira.
"O secretário sabe, mas talvez tenha dificuldade em admitir, que o enfrentamento dos problemas e da vergonhosa realidade socioeconômica do país requer mais gastos do Estado no curto e no longo prazo."
Para Bruno Martarello De Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), algumas figuras, como Mansueto Almeida, "estão deixando o governo porque estão vendo que o barco está afundando".
"Ele tem a opção de ganhar e ir para a iniciativa privada, em prática que chamamos de 'porta giratória': a pessoa vai para o setor público, ganha respaldo, influência, canais de comunicação, depois segue para o setor privado com condições de ganhar altos salários", explicou Conti à Sputnik Brasil.
Começo do fim da aliança entre Guedes e Bolsonaro?
Os analistas não acreditam que a saída de Almeida ou a pandemia devem afetar de forma fundamental a parceria entre o ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro.
"A minha aposta é de que eles vão continuar trabalhando juntos, porque há sinergia entre essas duas figuras", disse Conti.
"Apesar de não ser um liberal, Bolsonaro adotou Guedes durante a campanha presidencial para ganhar o apoio da mídia tradicional, das classes empresariais e do mercado financeiro", lembrou.
"E isso continua sendo importante para Bolsonaro, que tem uma dependência em relação a Guedes", explicou Conti.
"Já Guedes está em uma cruzada quase messiânica para fazer todas as reformas que for possível e depois voltar para a iniciativa privada, se beneficiando dos resultados de suas próprias políticas: mercado de trabalho desregulado, novos mercados abertos para a iniciativa privada por conta das privatizações", dentre outros, acredita Conti.
Os empresários também estão abandonando o barco?
Para Pereira, a classe empresarial defende políticas econômicas alinhadas às de Guedes, como o "Estado mínimo e a liberalização completa da economia".
"A confiança dos empresários no governo deve permanecer, enquanto ele continuar a seguir a cartilha neoliberal", que garante "benesses como incentivos fiscais e redução de impostos aos empresários", explicou Pereira.
Por outro lado, Conti acredita que parte da classe empresarial está perdendo a confiança no governo.
"Existe uma cisão na classe empresarial: alguns continuam apoiando [o governo] porque essa agenda de reformas de Guedes lhes é benéfica [...] outros já estão vendo que os resultados econômicos não vão chegar, nem nesse ano, nem no ano que vem", ponderou Conti.
A pandemia de COVID-19, que dificulta a manutenção de políticas de corte de gastos, pode abalar o alinhamento entre a classe empresarial e as políticas defendidas pelo ministro Paulo Guedes.
"O que poderá mudar a partir de agora é se o ministro vai ter condições asseguradas para tocar a economia a partir de sua visão de mundo. Se isso não ocorrer, não seria nenhuma surpresa ele ser 'abandonado' pela própria classe empresarial", apostou Pereira.
Pandemia e austeridade
Para os analistas, a política econômica de Paulo Guedes e do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, são incompatíveis com as necessidades sociais advindas do subdesenvolvimento e da pandemia de COVID-19.
"É inegável que a 'coronacrise' tem dificultado muito a aplicação de políticas de austeridade no mundo inteiro, não só no Brasil", disse Conti. "Mesmo as instituições multilaterais que defendem a austeridade, como o Fundo Monetário Internacional [FMI] e o Banco Mundial, lançaram notas dizendo que nesse momento é preciso que os governos gastem."
"Com a pandemia, voltamos a um contexto de vulnerabilidade social tremenda, com a fome aumentando no Brasil. Boa parte da população em idade ativa já está fora do mercado de trabalho e a informalidade crescendo muito", notou Conti.
No entanto, "a equipe econômica atual é avessa a olhar a realidade brasileira de forma a ser sensível com as dificuldades que enfrenta a grande maioria da população. O momento não é nem um pouco adequado para qualquer discurso de austeridade", disse Pereira.
Conti concorda, afirmando que a "declaração de Guedes, voltadas para os investidores internacionais, de que as políticas de austeridade vão ser retomadas no ano que vem, são incongruentes com a situação dramática que vivemos".
Bolsonaro de olho nas classes mais baixas
Um possível ponto de atrito entre a equipe econômica e o governo Bolsonaro é a manutenção do auxílio emergencial, que aumenta os gastos governamentais e contradiz a política econômica de Guedes.
Para Pereira, inicialmente, "houve relutância gigantesca do governo em repassar o auxílio emergencial, defendendo reduzir ao máximo o valor a ser ofertado à população".
"Com o passar do tempo, as pesquisas de opinião mostraram que uma parcela mais pobre da população passou a ver o governo de forma mais positiva [...] isso acendeu um alerta que passou a ser visto como oportunidade para melhorar os indicadores de aceitação do governo", acentuou Pereira.
"Bolsonaro está nitidamente fazendo um movimento de recuperação de sua base de sustentação [eleitoral] que vão tensionar as relações com o Ministério da Economia", acredita Conti.
Além dos gastos com os "programas sociais emergenciais", que "pesam nos gastos do governo", Bolsonaro tenta construir uma aliança com deputados do chamado "Centrão", partidos que negociam apoio ao governo em troca de emendas parlamentares.
"A busca de Bolsonaro por apoio do Centrão vai exigir a liberação de verbas para esses deputados que passarão a apoiá-lo", alertou Conti.
Esses fatores tendem a "tensionar” as relações entre Guedes e Bolsonaro, mas não devem colocar um fim à essa aliança, "em função da dependência mútua" entre os dois, diz Conti.