Tóquio cancelou o acordo com o Pentágono para instalar os sistemas de defesa antimísseis Aegis Ashore, oficialmente por não haver garantias que aceleradores dos mísseis, após o lançamento, caíssem apenas no polígono e não em áreas residenciais.
Contudo, muitos especialistas acreditam que existem outras razões para esta inversão na política nipônica.
Acalmar Rússia e China?
Vale recordar que a decisão de implantar dois sistemas terrestres Aegis Ashore no Japão foi tomada pelo governo nipônico em 2017, devido aos lançamentos de teste contínuos de mísseis balísticos norte-coreanos.
Planejada sua implantação nas prefeituras de Akita, no noroeste do país, e em Yamaguchi, no sudoeste, estimava-se que seu raio de alcance pudesse cobrir todo o país e que estivesse operacional até 2023.
Rússia e a China se opuseram de forma veemente, temendo que a iniciativa as visasse.
Moscou tem deixado claro que a instalação desses mísseis interceptores não contribui para a estabilidade estratégica na região e que tal fato não podia ser ignorado durante a negociação do tratado de paz com Tóquio.
Para os especialistas, o abandono pelos japoneses do sistema de defesa antimíssil dos EUA atenuará significativamente as tensões entre o Japão e seus vizinhos do Pacífico.
"Tóquio entende que este sistema serve somente a segurança dos Estados Unidos e que, em caso de conflito militar, os primeiros alvos seriam sempre as instalações de defesa antimísseis", explicou à Sputnik Aleksei Podberyozkin, diretor do Centro de Estudos Político-Militares do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou.
O especialista acrescentou que os EUA tentam sempre afastar os cenários de guerra de seu território, lutando em solo estrangeiro ou a partir de bases situadas no exterior.
"Ao dar este passo, os japoneses reduziram os riscos para sua própria segurança", concluiu.
Componente financeira
Naturalmente, o fator financeiro também é importante.
Dmitry Streltsov, chefe do Departamento de Estudos Orientais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, disse à Sputnik que a mudança de posição está relacionada quer com os enormes custos do sistema quer com dúvidas sobre sua fiabilidade e a real capacidade de cobrir todo o país.
Uma alternativa mais barata para Tóquio, de acordo com o especialista, seria aumentar o número de sistemas de defesa antimíssil baseados no mar já disponíveis na Marinha japonesa.
Por sua vez, Sergei Sudakov, membro correspondente da Academia de Ciências Militares da Rússia, referiu à Sputnik que, "desde Fukushima, a taxa de crescimento econômico do Japão caiu drasticamente, tendo igualmente baixado seu índice global de inovação".
"Anteriormente, Tóquio era líder em muitas indústrias de alta tecnologia e pagava as armas norte-americanas [...] com know-how em eletrônica, bioengenharia etc. por uma fração do preço. Contudo, agora há outros países mais adiantados – Coreia do Sul, Singapura, China. O interesse dos EUA em seu aliado diminuiu drasticamente", prosseguiu Sudakov, para quem Tóquio começa a entender que os EUA estão se afastando.
O especialista aproveitou a oportunidade para relembrar o caso quando a ogiva de treinamento de um míssil norte-coreano caiu em águas territoriais japonesas e os navios dos EUA na região dotados com o sistema de defesa antimíssil Aegis não reagiram de jeito nenhum à ameaça.
Sudakov crê que os japoneses ganharam consciência de que aos EUA só preocupam seus próprios interesses e que está na hora de assumir sua própria soberania.
"Muitos japoneses estão bem cientes de que seu país está de fato ocupado [militarmente] e não querem tolerar mais isso. Trata-se de mais um testemunho de como o sistema de segurança coletiva imposto ao mundo por Washington está se destruindo gradualmente", concluiu Sudakov.
População está cansada
Finalmente, o último e principal motivo de rejeição: o cansaço da população local da presença militar dos EUA. Após a Segunda Guerra Mundial, o Pentágono implantou uma rede de bases militares no Japão – alegadamente para proteger contra a "agressão da URSS" – mas na realidade para criar uma poderosa cabeça de ponte na Ásia Oriental. O Japão abriga hoje mais de 90 grandes instalações das Forças Armadas dos EUA.
A título de exemplo, em Okinawa – uma ilha relativamente pequena – existem 11 bases do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, está sediada a 18ª Ala da Força Aérea, bem como um batalhão do 1º Regimento de Artilharia Antiaérea do Exército dos EUA, totalizando 50.000 militares norte-americano na ilha.
Em Okinawa, desde 1972, foram cometidos cerca de seis mil crimes contra a população local, alguns deles muito graves, como cerca de 100 assassinatos, mais de 300 estupros e mais de 200 acidentes rodoviários com vítimas mortais.
O descontentamento pela presença dos EUA na ilha está na origem, que já dura 20 anos, de contínuos protestos em massa contra as atrocidades dos "visitantes" norte-americanos.
Os receios do Ministério da Defesa japonês de que destroços dos antimísseis possam cair em áreas residenciais têm fundamento, dado dezenas de incidentes envolvendo equipamentos militares norte-americanos terem sido registrados nos últimos anos.