Já foram iniciados no Brasil testes de vacinas contra a COVID-19. Enquanto a Fiocruz testa a droga desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido - junto à farmacêutica AstraZeneca – o Instituto Butantan administra os testes da farmacêutica chinesa Sinovac. Os testes do Butantan tiveram início nesta segunda-feira (20). Ambas as vacinas estão entre as mais promissoras do mundo até o momento e mostram resultados preliminares positivos.
Em resposta à Sputnik Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) detalhou que os testes da vacina chinesa, batizada de CoronaVac, utilizam cepas inativadas no SARS-CoV-2. Os testes estão sendo realizados com nove mil voluntários em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Distrito Federal.
"O estudo aprovado é um ensaio clínico fase 3 duplo-cego, randomizado, controlado com placebo para avaliação de eficácia e segurança em profissionais da saúde da vacina adsorvida COVID-19 (inativada) produzida pela Sinovac", explicou a Anvisa em resposta à Sputnik Brasil.
Para Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), há uma falta de coordenação central no Brasil para o desenvolvimento e fabricação de uma vacina. Dessa forma, duas instituições públicas - Fiocruz e Instituto Butantan - trabalham separadamente em testes de vacinas no país.
"Sem dúvida tem por baixo disso essa possibilidade da disputa política entre os dois jogadores aí, o governo federal e o governo estadual [de São Paulo]. A sensação que eu tenho é que no caso do governo federal o presidente [Jair Bolsonaro] nem tomou conhecimento de que tem a possibilidade de fazer uma vacina e de produzir a vacina", afirma Vecina Neto, ex-diretor da Anvisa, em entrevista à Sputnik Brasil.
O pesquisador estima que a adaptação nos institutos para a eventual produção da vacina possa levar até um semestre.
"Os testes das duas vacinas deverão demorar, em média, quatro meses, se tudo correr bem. A construção de uma fábrica, como no caso dos dois institutos, se trata da adaptação e não de uma construção a partir do zero – eles têm uma parte da planta praticamente arrumada -, eu imagino que eles precisem de uns seis meses para preparar a planta para produzir a vacina", explica.
Vecina acrescenta que a produção da vacina demora de três a quatro meses, e que os planos dos institutos incluem já deixar a infraestrutura pronta para disponibilizar a distribuição da vacina o mais rápido possível após o fim dos testes.
"Isso tudo para queimar etapas e diminuir a probabilidade de ocorrerem mortes, porque se você chegar antes com a vacina você diminui mortes [...]. A ideia é queimar etapas apesar de não ter a vacina aprovada", aponta o sanitarista.
Risco financeiro pode salvar milhares de vidas
A corrida para garantir que haja um local de produção preparado para iniciar a fabricação do fármaco no Brasil assim que os testes acabarem inclui o risco de perda do investimento financeiro caso a vacina não seja aprovada, explica Vecina.
"Pode jogar fora um investimento grande, porque para construir fábrica você vai gastar aí R$ 200 milhões e para produzir um lote de vacina você ainda gasta R$ 1 bilhão, R$ 1,5 bilhão. Então você corre o risco de jogar fora quase R$ 2 bilhões”, especula o médico. Segundo publicou o jornal El País, o Instituto Butantan estima um investimento de R$ 85 milhões apenas na fase de pesquisa.
O médico e professor da USP ressalta, porém, que o risco é apenas financeiro, tendo em vista que até o momento o Brasil já perdeu mais de 80 mil vidas para a COVID-19 e seguirá perdendo vidas enquanto a vacina não for disponibilizada.
"Em termos de saúde não é arriscado, em termos de saúde é o contrário. Veja, em quatro meses morreram 70 mil pessoas, se eu avançar quatro meses na distribuição da vacina eu evito 70 mil mortes”, afirma o médico.
Após terminada a fase de testes, a vacina ainda passará por uma análise da Anvisa que, segundo Vecina, deve ser realizada de forma rápida.
"Assim que terminarem os testes, se a vacina for estável e segura, ela tem que ser registrada na Anvisa. Então a Anvisa vai solicitar todos esses testes que foram realizados, verificar todas as medidas que conferem segurança e eficácia para a vacina. [...] Esse é um processo relativamente rápido, se tudo for adequadamente documentado", explica o sanitarista.
Uma vez que todas essas etapas forem vencidas, a vacina será distribuída através do Sistema Único de Saúde (SUS), garante o médico.
"O Plano Nacional de imunizações, o PNI, já é hoje um dos mais completos do mundo em termos de ofertas de vacinas. Nós vacinamos contra praticamente tudo que tem para vacinar, e tudo oferecido gratuitamente pelo SUS", conclui.
Transferência de tecnologia
A Sputnik Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre qual é o plano do governo para distribuição de uma possível vacina, ao que o Ministério respondeu que "a parceria do Governo Federal com a universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca está em fase de contratualização junto à Fiocruz".
O site do Ministério detalha que a parceria prevê a disponibilização de um total de 100 milhões de doses para o Brasil e também a transferência da tecnologia de produção a um custo de US$ 30 milhões (cerca de R$ 159 milhões).
O acordo entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac é semelhante, e prevê tanto a transferência de tecnologia quanto a produção de até 100 milhões de doses da vacina no Brasil, no entanto, sem pagamento de royalties. A Sputnik Brasil também tentou ouvir o Instituto Butantan, mas não obteve respostas até a publicação deste texto.
No mundo inteiro a COVID-19 já infectou mais de 14 milhões de pessoas e causou a morte de mais de 600 mil vítimas da doença, que circula desde dezembro de 2019 e segue se espalhando ao redor do planeta.