As eleições presidenciais se avizinham nos Estados Unidos e devido à proximidade entre os governos do norte-americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro, o resultado do pleito pode trazer consequências para a política externa brasileira.
Apesar do apoio de Bolsonaro a Trump, a situação, por enquanto, está desfavorável para o republicano na corrida eleitoral. É o que aponta o professor Roberto Moll, que leciona História da América no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança na Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Me parece que hoje a eleição está muito mais favorável para o Biden do que para o Trump, embora isso não esteja definido, não seja certo", avalia o professor em entrevista à Sputnik Brasil.
O 'erro básico' na política externa de Bolsonaro
Roberto Moll explica que uma eventual derrota de Trump pode ser um problema para Bolsonaro, que vive sua própria crise política no Brasil e desde a campanha eleitoral declara alinhamento político com o atual ocupante da Casa Branca.
"O governo brasileiro cometeu um erro básico de política externa, que é fazer a política externa com base em amizades e inimizades pessoais - sobretudo, inimizades pessoais", aponta.
Moll ressalta que o maior problema desse posicionamento é em relação às inimizades, lembrando que Bolsonaro chegou a "praticamente fazer campanha" para presidentes de outros países. Exemplos dessa posição ocorreram em relação à Argentina, ao Uruguai e também com os EUA, com Trump, a quem Bolsonaro dedica admiração.
"Vale lembrar que essa relação com base em pessoalidade e amizades ou inimizades pessoais, recentemente trouxe pouca ou nenhuma vantagem comercial para o Brasil. O Brasil, no ano de 2020, de janeiro a junho, tem tido um déficit comercial com os Estados Unidos", aponta o professor, que ressalta o quadro mesmo lembrando que o mundo vive uma crise econômica decorrente da pandemia da COVID-19.
Pragmatismo deve se impor
O pesquisador da UFF pondera, no entanto, que uma eventual eleição de Biden não significaria uma ruptura com o Brasil. Para ele, há interesses de setores das sociedades civis de ambos os países nessa relação bilateral, e essa dinâmica garante certa estabilidade.
"Acredito que essas relações vão ser pautadas pelo pragmatismo desses interesses da sociedade civil e pelo próprio pragmatismo do governo estadunidense. É bom lembrar que Joe Biden não é Donald Trump, não vai se eleger com o discurso do Donald Trump, nem com a retórica de Donald Trump", avalia.
O pesquisador Roberto Moll também expressa preocupação com o fato de que Bolsonaro terá trabalho para buscar formas de legitimidade caso ocorra uma derrota de Trump.
"O grande problema, na verdade, que eu percebo ou que a gente deveria estar se perguntando e que é decorrente dessa tensão um pouco maior – caso o Biden vença as eleições –, é de que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, vai passar dois anos de mandato tendo que buscar outras formas de legitimidade interna e internacional", aponta Moll.
Outro aspecto problemático apontado pelo professor no quadro que pode se desenhar com a vitória de Biden é que o democrata tem se apresentado como um defensor do meio ambiente, o que pode agravar a crítica internacional contra a política ambiental de Bolsonaro. Para Moll, a questão para Biden tem também motivos eleitorais, mas trará consequências para Bolsonaro.
China, América Latina e liderança regional
Devido à crescente influência e competição com a China na América Latina, um eventual governo Biden nos EUA deve voltar esforços para o continente em busca de garantir uma posição norte-americana na região. É o que diz o professor Roberto Moll, que acredita que esse contexto fará com que haja aproximação mesmo com governos progressistas, apesar das limitações.
"Acho que a tendência com uma vitória do Biden é de que haja uma aproximação dos Estados Unidos com a América Latina nos próximos anos. Entretanto, uma aproximação com os governos progressistas da América Latina que vai ser muito menos tensa - mas não significa ausência de tensão, muito menos significa que o progressivismo na América Latina vai estar aí livre e ilimitado para tomar caminhos quase revolucionários", alerta o professor.
Moll aponta que um eventual governo Biden tentará, apesar da aproximação, impor limites a governos progressistas na região, incluindo a Venezuela. O pesquisador recorda que durante o governo de Barack Obama, de quem Biden foi vice-presidente, o Brasil agiu como mediador dessa relação dos EUA com governos progressistas na região, mas que não espera essa posição de Bolsonaro.
"O Brasil não me parece nem um pouco disposto a exercer essa função de mediador entre países progressistas e os Estados Unidos. Então essa é uma incógnita, quem vai exercer essa função de mediação?", afirma.