Segundo a pneumologista Margareth Dalcomo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), não é possível fazer qualquer atribuição que envolva uma melhora da saúde de Bolsonaro à hidroxicloroquina.
"Absolutamente não. Eu mesma fiquei doente com a COVID-19, estou curada, mas nunca tomei esse medicamento e nunca teria permitido que um colega médico o prescrevesse", afirmou a especialista em entrevista à agência AFP.
"Já temos evidências científicas de que isso [hidroxicloroquina] não afeta o vírus. Por motivos obscuros, os presidentes do Brasil e dos EUA decidiram dar uma dimensão política a esse assunto. Isso absolutamente não se justifica e claramente equivale a iludir a população", acrescentou.
Bolsonaro, que anunciou ter testado positivo para a COVID-19 pela primeira vez em 7 de julho, declarou repetidamente ter visto sua saúde melhorar graças à hidroxicloroquina, sem apresentar qualquer elemento científico para corroborar a sua impressão pessoal. Nesta quarta-feira (22), ele testou positivo mais uma vez.
No último domingo (19), o mandatário brasileiro até levantou uma caixa da polêmica droga - que o presidente dos EUA, Donald Trump, também elogiou - diante de seus apoiadores do lado de fora do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Margareth Dalcomo explicou que é bom saber que Bolsonaro esteja melhor, mas não se pode minimizar os efeitos colaterais já conhecidos que a hidroxicloroquina pode causar. E ela levantou um argumento para indicar que até o presidente sabe disso.
"É estranho sabermos que ele faz dois eletrocardiogramas por dia desde o início do tratamento. Isso mostra alguma preocupação com esses efeitos colaterais. Mas para o restante da população, o sistema público de saúde não permite que dois eletrocardiogramas por dia sejam realizados", avaliou ela.
A pneumologista relembrou que o uso da droga já foi contraindicado "pela OMS (Organização Mundial da Saúde), Agência Americana de Medicamentos (FDA), associações médicas brasileiras de doenças infecciosas e pneumologia", reforçando que "vários estudos demonstraram que este medicamento é inútil contra a COVID-19, independentemente da gravidade dos sintomas".
"É difícil entender por que um presidente que não é médico se envolve pessoalmente, quando essa pergunta é estritamente uma questão médica. E ele colocou no Ministério da Saúde pessoas que não estão ligadas ao setor médico e tomam decisões sem consultar a comunidade científica", opinou a profissional de saúde.
Enquanto a COVID-19 segue o seu avanço pelo país, reunindo o segundo lugar entre os piores números de infecções e mortes no planeta – atrás apenas dos EUA –, o Brasil continua "sem uma resposta coordenada das autoridades públicas, em bom acordo com a comunidade científica", disse Margareth Dalcomo, que não vê sentido nessa insistência do governo em "soluções caseiras" e sem lastro científico.
"Nenhum médico é obrigado a seguir esses protocolos [do Ministério da Saúde], mas continua sendo um problema. Segundo essas diretrizes, os departamentos municipais de saúde distribuem pequenas bolsas cheias de ilusões aos pacientes, nas quais eles encontram comprimidos de hidroxicloroquina, mas também vermífugos, que também não ajudam, e vitamina C. Isso não faz sentido", completou.