Na quarta-feira (5), o secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Arnaldo Correia de Medeiros, exaltou a vacina que vem sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca, destacando que o primeiro dos três lotes com 100 milhões de doses chegará até o fim do ano.
"Com a graça de Deus e com o avanço da ciência, acreditamos que, em dezembro, talvez já passemos o ano novo de 2021 com pelo menos 15,2 milhões de brasileiros vacinados para a COVID-19", afirmou Medeiros em audiência pública virtual da Câmara dos Deputados para debater a vacina e a estratégia nacional de vacinação.
Entretanto, o médico epidemiologista Guilherme Werneck, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explicou em entrevista à Sputnik Brasil que a previsão do secretário do Ministério da Saúde "se coloca entre o otimismo exagerado e a falta de viabilidade".
"Muito difícil a gente imaginar que ainda este ano, em dezembro, seria possível vacinar essa quantidade de pessoas, porque ainda não temos nem certeza se teremos a vacina [...]. Existem vários procedimentos, de testagem, de avaliação da eficácia e efetividade, da sua segurança em populações mais ampliadas, e que esses resultados sejam muito bons", disse Werneck.
O especialista detalhou ainda mais os motivos para frear as previsões do governo do presidente Jair Bolsonaro, que negocia um acordo para a fabricação e transferência de tecnologia da vacina, o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além da validação e da sua distribuição.
"Além disso, envolve a fabricação não só da vacina ou material imunobiológico propriamente dito, mas tem todas as circunstâncias de envasamento, enfim, de regulação e de como é que essas coisas serão distribuídas e aplicadas na população [...]. No entanto, existem vários outros gargalos para a distribuição dessa vacina para alcançar uma quantidade tão grande de pessoas", completou.
Experiência histórica em vacinações pode ser trunfo
Na mesma audiência com parlamentares, o diretor do Instituto Bio-Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maurício Zuma, avaliou que o primeiro lote da vacina contra o novo coronavírus só deve ser distribuído a partir de janeiro de 2021, no melhor dos cenários. A perspectiva é compartilhada por Werneck.
Assim como a Fiocruz, o epidemiologista da UERJ esclareceu que o Instituto Butantan (este trabalhando em uma vacina com um grupo chinês) "tem muita experiência e tem condições de se organizar para fazer uma amplificação dessa produção", mas isso significa que, desde já, é preciso criar as logísticas necessárias para vacinar 210 milhões de pessoas, provavelmente no início de 2021.
"É importante que criemos as logísticas necessárias para que a vacina chegue de forma segura nas pessoas, mas previsões muito atabalhoadas podem gerar algum tipo de frustração nas pessoas. Então acho importante dizer que, se tudo der certo, tentaremos fazer isso, mas o mais provável é que essa vacina estará disponível no ano que vem, se tudo der certo, e aí então poderemos ampliar digamos assim a cobertura vacinal da população", opinou.
A experiência que o Brasil tem na produção de vacinas, continuou Werneck, só não é maior do que a de vacinações de populações, seja por meio do "Programa Nacional de Imunização, criado há aproximadamente 50 anos", seja por meio daquelas "oferecidas amplamente para a população e de graça no Sistema Único de Saúde (SUS)".
"Em termos de estrutura, eles têm as condições de promover uma campanha de vacinação ampliada que consiga rapidamente atingir o grande número de pessoas que precisam ser vacinadas. Essa é parte histórica da saúde pública brasileira. Então se conseguirmos uma boa vacina, viável de ser produzida, que chegue em condições de ser produzida amplamente com todos os insumos para o seu envasamento e sua distribuição, entendo que a saúde pública brasileira tem as condições de fazer uma vacinação bastante ampliada a uma vasta parcela da população em um tempo bastante razoável", finalizou.