A Rússia é tradicional líder mundial na produção de petróleo e gás. Um dos principais exportadores de hidrocarbonetos do mundo, as reservas russas são essenciais para a formação dos preços e manutenção da estabilidade econômica mundiais.
Nos últimos anos, o Brasil despontou como segundo maior produtor de petróleo em plataformas marítimas em todo o mundo. No entanto, nesse competitivo mercado de hidrocarbonetos a Rússia e o Brasil não são concorrentes:
"Ao contrário, nossa relação de parceria traz benefícios tangíveis para ambas as partes", declarou a Embaixada da Rússia em Brasília à Sputnik Brasil.
Mas como o Brasil e a Rússia, países aparentemente tão diferentes, podem cooperar no setor de petróleo e gás?
"Temos, em princípio, uma complementaridade tecnológica: o Brasil tem o que oferecer para a Rússia na área de exploração marítima, e a Rússia tem o que oferecer ao Brasil em termos de exploração em terra", disse o primeiro-secretário da Embaixada do Brasil em Moscou, Carlos Serapião.
A força da Rússia em terra
Na Rússia, mais de 90% do petróleo e gás são produzidos em terra, em bacias como as de Timan-Pechora, Urais, Sibéria Ocidental, Sibéria Oriental e costa do Cáspio. É no setor de prospecção e extração de petróleo na superfície terrestre que a Rússia desenvolveu sua tecnologia e expertise.
Já no Brasil, a situação é a inversa: "Os projetos na superfície não recebem a mesma atenção do que os marítimos", disse Maksim Kramskoy, pesquisador do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia, à Sputnik Brasil.
Ele conta que, após a fundação da Petrobras, relatório de uma equipe de geólogos norte-americanos contratada para prospectar o território brasileiro apontou que o país não tinha potencial para explorar petróleo em terra.
Para Magda Chambriard, consultora da FGV Energia e diretora da Agência Nacional de Petróleo (ANP) entre 2012 a 2016, "a visão de que não tem petróleo em terra no Brasil pode estar correta".
"O petróleo brasileiro está realmente no mar. Mas eu tenho a percepção, baseada em fatos [...], de que o gás brasileiro está em terra", disse Chambriard.
Para Kramskoy, é necessário virar a página do antigo relatório que descartou o potencial do Brasil em terra e "convidar geólogos russos para realizar prospecções em território brasileiro".
Chambriard concorda, lembrando que a ideia de Kramskoy já foi aplicada com sucesso no país.
"A Bacia do Parnaíba, que hoje produz e pode produzir muito mais, foi prospectada usando o método russo, de coleta de dados de métodos potenciais com uso de avião", contou Chambriard.
"Na época, contamos com o apoio de consultorias russas", como a AGP e a Universidade do Petróleo e Gás da Rússia Gubkin, "trabalhando em parceria com a Universidade de São Paulo", lembrou Chambriard.
Novas reservas de gás no Cerrado?
A cooperação entre o Brasil e a Rússia na área de geofísica e geologia seria muito bem vinda para analisar bacias paleolíticas brasileiras com potencial exploratório.
Esse é o caso da Bacia do Mato Grosso, "ainda muito desconhecida", que já deu indícios promissores de ter gás durante investigações lideradas pela ANP, aponta Chambriard.
"Esta é uma bacia no coração do Brasil que está praticamente virgem, em uma região que se desenvolve muito por causa do agribusiness. E lá pode ter gás [natural]."
Mas, para garantir que há gás natural rentável na região, os esforços de prospecção brasileiros deveriam contar com apoio de "quem já tem experiência no assunto", disse Chambriard.
"Uma cooperação seria válida porque essa é uma área nova para nós. Se fosse fácil e corriqueiro, já teríamos feito", concluiu Chambriard.
Portanto, para investir na área de petróleo e gás em terra no Brasil “precisamos de empresas que estejam interessadas não só na extração, mas também na prospecção”, aponta Kramskoy.
Bacia do Solimões
É nessa combinação da ambição de explorar novas reservas com a capacidade de encontrar petróleo e gás que a maior empresa russa do setor, a Rosneft, conduz suas atividades no Brasil.
A empresa atua sobretudo na Bacia dos Solimões, no estado do Amazonas, onde já encontrou cerca de 60 bilhões de metros cúbicos de gás, suficientes para abastecer o estado de Roraima por 20 anos.
Além do gás natural, "a Bacia do Solimões tem o melhor óleo do Brasil: o mais valorizado e o mais leve", disse Chambriard.
Ainda mais, "os campos dessa bacia têm uma recuperação muito grande. Enquanto na Bacia do Recôncavo fica em torno de 30%, nos Solimões pode atingir 50%", contou.
Para ela, expandir o investimento na Bacia do Solimões é "a cara da Rússia": "Seria uma forma de avançar uma exploração que tem tudo a ver com eles."
De acordo com a Rosneft, trabalhos de prospecção de petróleo e gás estão sendo realizados em 19 blocos na região, em uma área de mais de 44,5 mil quilômetros quadrados.
Para a Embaixada da Rússia em Brasília, a principal vantagem comparativa da Rosneft é "a vasta experiência que tem na indústria", desenvolvendo "campos de petróleo e gás em todo o mundo".
"Nesse sentido, nossa experiência serve como garantia de cooperação previsível, descomplicada [...] e lucrativa", garantiu a embaixada russa em nota à Sputnik Brasil.
A força do Brasil no mar
O Brasil produz a maior parte de seu petróleo em águas profundas e ultraprofundas, seja na bacia de Santos, na Bacia de Campos, nas camadas do pré-sal ou do pós-sal. Atualmente, o país é o segundo maior produtor offshore de hidrocarbonetos do mundo, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
"O Brasil lutou cinquenta anos para ter suas próprias reservas e atender à demanda interna. Conseguiu, e isso é muito bom", notou Kramskoy.
Segundo ele, a Rússia deverá desenvolver seu setor de exploração offshore, uma vez que as reservas de hidrocarbonetos em terra do país estão se esgotando.
Desde 2006, a produção de petróleo na região da Sibéria Ocidental tem diminuído de forma consistente. Os campos mais antigos podem enfrentar uma queda na sua capacidade produtiva de até 1,7% ao ano.
Nesse contexto, "a busca de uma saída para as plataformas marítimas é muito conveniente", disse Kramskoy.
Felizmente, a Rússia tem uma fronteira exploratória monumental no oceano Ártico. Já foram descobertos 26 campos de petróleo e gás na plataforma marítima da região, dos quais 7 estão preparados para a extração.
No entanto, a Rússia ainda não tem a expertise tecnológica de exploração em águas profundas.
"O Brasil pode contribuir com tecnologia e serviços para exploração em águas profundas" na Rússia, acredita Kramskoy.
Para o pesquisador, a capacidade tecnológica da Petrobrás em águas profundas "é o grande vetor do seu desenvolvimento" e deve ser explorado pelas parceiras russas.
De sonho à realidade
Para materializar o potencial de cooperação entre o Brasil e a Rússia, será necessário o esforço não só dos engenheiros e geólogos de ambos os países, mas também de seus diplomatas.
"Temos uma moldura bilateral para facilitar esse tipo de contato, como a Comissão de Cooperação Econômica, Comercial, Científica e Tecnológica (CIC) e a Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN), presidida pelo vice-presidente do Brasil e pelo primeiro-ministro da Rússia", disse Carlos Serapião.
Além disso, Brasil e Rússia contam com a estrutura do BRICS, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para aprofundar as relações no setor de hidrocarbonetos.
"O aprofundamento da cooperação [entre os países do BRICS] no setor de energia é uma das prioridades da presidência pró-tempore russa do grupo neste ano", disse a Embaixada da Rússia em nota.
"Recentemente, em 27 e 28 de julho, representantes dos cinco países se reuniram por videoconferência [...] no Comitê de Altos Funcionários do BRICS sobre Energia e no Grupo de Trabalho sobre Economia de Energia e Eficiência Energética", lembrou a embaixada.
Além dos contatos intergovernamentais, o BRICS conta com um conselho de empresários, que se reúne às margens da Cúpula de Chefes de Estado do grupo, realizadas anualmente.
"O Conselho Empresarial dos BRICS é um ambiente de alto nível que gera troca de ideias, de interesses e oportunidades", disse Serapião.
Igor Sechin, presidente da Rosnef, foi um dos membros do conselho que acompanhou o presidente russo, Vladimir Putin, durante a última cúpula dos BRICS de 2020, realizada em Brasília.
Encerrada a agenda de reuniões, Sechin se aventurou por Brasília em busca de vinis raros de nossos cantores populares, como Roberto Carlos, Angela Maria e Gal Costa – o que comprova sua vocação para encontrar verdadeiros tesouros em terras brasileiras.