O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, solicitou ao Ministério da Economia a liberação de R$ 134 milhões para combater as queimadas na Amazônia e no Pantanal. Este é o segundo pedido feito por Salles, em menos de dois meses, sob justificativa de que atuação da pasta pode ser afetada.
Para Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado especialista em Direito Ambiental, os recursos solicitados por Salles não serão suficientes, pois o ministério estaria "sem rumo há muito tempo".
"Para se ter uma ideia, o ministro está pedindo este aporte de verbas suplementar, quando ele sequer executou o orçamento do ministério. Ou seja, os projetos que estavam determinados para o ministério não estão sendo executados. Estamos sofrendo hoje no Ministério do Meio Ambiente um verdadeiro apagão gerencial", disse Antonio Fernando Pinheiro Pedro à Sputnik Brasil.
O advogado destacou que as queimadas são um fenômeno natural, geográfico e climático, que tende a piorar durante as secas, como as que ocorrem no momento. Neste período seria necessária a implementação de um plano estratégico para prevenção e combate deste desastre ambiental.
"Não é o que está acontecendo. Nós não realizamos este plano estratégico. Não aprendemos nada em relação ao ano anterior. E estamos distribuindo brigadas de incêndio que, literalmente, estão apagando o fogo quando ele surge. Ou seja, é um trabalho insano. Um trabalho de atender as demandas na medida que elas vão surgindo, sem que haja efetivamente uma ação de monitoramento global, uma ação estratégica que possa conter este fenômeno. O sistema, da maneira como está montado, na verdade vai ser um sumidouro do dinheiro público [...] Nenhum dinheiro será suficiente para atender esta demanda. Nós estamos queimando dinheiro", alertou o entrevistado.
O especialista destacou que a falta de recursos é grave. Ele citou os cortes do governo, que afetaram todos os ministérios, e lamentou que a nova adequação de recursos seja realizada sem o devido planejamento.
"Temos um ministro que não está executando o orçamento nem os programas que deveriam estar sendo executados, previstos na atividade do ministério. Ao mesmo tempo o ministro reduziu os quadros ministeriais e está inflando os cargos de chefia. Todo esse tempo ele trabalhou com vagas esvaziadas e falta de pessoal. Para piorar, ele não tem credibilidade para pedir recursos no exterior, não tem projetos para requerer um aporte inclusive do BNDES, que poderia ser um socorro eficaz neste momento. E para ficar ainda mais complexo, ele não apresenta um projeto efetivo que possa traçar uma linha de ação conjunta com o Conselho da Amazônia, ou formar um outro conselho com os estados para combater os incêndios na área do Pantanal", afirmou Antonio Fernando Pinheiro Pedro.
Incêndios eram esperados
Em conversa com Sputnik Brasil, Elizabeth Eriko Uema, secretária-executiva da Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), destacou que o Meio Ambiente "sempre sofreu bastante com a falta de recursos para atuar".
"Muitas áreas, como autarquias do Ibama e ICMBio, começaram a depender de projetos internacionais, de fundos e de doações internacionais. Teve ano em que os fundos é que viabilizaram, por exemplo, recursos logísticos para as operações de combate aos incêndios. Recursos logísticos como equipamentos, aeronaves, viaturas", disse Elizabeth Eriko Uema à Sputnik Brasil.
No entanto, o atual governo, desde o início de sua gestão, tem entrado em conflito com as organizações internacionais e governos que aportavam fundos na área de meio ambiente. Segundo a entrevistada, agora o governo pode "estar vendo que esses recursos fazem muita falta".
Por outro lado, mesmo quando há recursos financeiros, o sucesso das medidas depende de uma boa gestão.
"Não adianta ter muitos recursos se você não tem gestores que entendam como conduzir os processos dentro do serviço público, que tem ritos e práticas que devem ser cumpridos em função dos princípios da gestão pública", afirmou a entrevistada.
Como exemplo dos problemas enfrentados no setor, ela destacou que, este ano, a autorização do Ministério do Meio Ambiente para contratação de brigadistas pelo Ibama para combate de incêndios florestais só foi emitida em julho, "em pleno início da seca em todos os biomas". Essas equipes necessitam de um treinamento específico e o processo de contratação é moroso. Dessa forma, quando os incêndios começaram, as equipes simplesmente não estavam preparadas, mesmo com a situação sendo esperada desde o ano passado.
"Qualquer um sabe os meses da queimada na Amazônia, por exemplo. E a gente sabe também que, se no ano anterior houve muito desmatamento, vai ter muita queimada. Porque a queimada vem depois do desmatamento. Você desmata, deixa secar e no ano seguinte queima. Esse é o processo. [...] Não é possível que o ministério alegue desconhecimento de uma coisa tão simples e banal como essa", afirmou Uema.
Nesta semana, o Ministério do Ambiente veiculou um vídeo que nega a existência de queimadas na Amazônia. Para retratar a situação, as imagens mostram um mico-leão-dourado, animal ameaçado de extinção que não é encontrado na floresta amazônica, mas na mata atlântica. O vídeo foi compartilhado por Salles e pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que preside o Conselho da Amazônia.
"Não há como negar, como vem fazendo o governo brasileiro, para tentar dar uma satisfação aos investidores estrangeiros. [...] Essa política negacionista é um absurdo. Porque qualquer país do mundo vai consultar os dados de satélites e vai ver que está havendo desmatamento, está havendo queimadas. [...] É mais uma vergonha internacional que a gente passa e não deveria estar passando, se a gente tivesse gestores minimamente competentes a frente do governo brasileiro", declarou a entrevistada.
Para a servidora, a combinação de nomeações políticas nos órgãos ambientais, da falta de recursos e do desconhecimento técnico foi a grande responsável pelos atuais desastres ambientais no Brasil. Elizabeth Eriko Uema alertou que as operações do Exército para controle de incêndios na Amazônia incorrem no mesmo erro, por falta de expertise, e custam muito mais, do que se gastaria ao equipar de modo adequado os órgãos já existentes.
"Se o governo quer resolver o problema desses crimes ambientais que vem ocorrendo, que equipe as autarquias de recursos humanos, abra novos concursos, dê treinamento adequado, viabilize os meios para que nossos servidores atuem, porque conhecimento eles já têm. Falta cadeia de comando e a compreensão da necessidade de ter pessoas com conhecimento de causa a frente desses processos", concluiu.