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Especialista: Bolsonaro precisa chamar sociedade para discutir renda e proteção social

© Folhapress / Everton Silveira/Agência FreelancerVista do Cartão Bolsa Família, da Caixa Econômica Federal, que serve para o beneficiário do programa realize o saque mensal do valor do programa
Vista do Cartão Bolsa Família, da Caixa Econômica Federal, que serve para o beneficiário do programa realize o saque mensal do valor do programa - Sputnik Brasil
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Após cancelar, acertadamente, o projeto do Renda Brasil, o governo deveria aproveitar os próximos meses para realizar uma ampla discussão sobre os planos de apoio social a partir de janeiro, avalia o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.

Na última terça-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro desistiu de levar adiante o projeto do Renda Brasil, pensado por sua equipe econômica para substituir o Bolsa Família, criado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta unificaria programas assistenciais já existentes para aumentar o valor distribuído às famílias de baixa renda, possivelmente, aumentando também o número de beneficiários.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o chefe de Estado brasileiro justificou a decisão atacando algumas das propostas que vinham sendo consideradas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus auxiliares para financiar o projeto, propostas que, segundo Bolsonaro, afetariam negativamente aposentados e deficientes, por exemplo. Por conta da polêmica, fala-se, inclusive, na possível demissão do secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, que vazou estudos sugerindo o congelamento de aposentadorias e pensões.

Após as declarações do presidente, as apostas são no sentido de que, para deixar sua "marca social", o governo deverá se concentrar em um reforço do Bolsa Família, que, hoje, atende 14,28 milhões de famílias e, no ano que vem, deverá contemplar 15,2 milhões.

Apesar dessa expectativa, com o fim do auxílio emergencial no final do ano, ainda não está claro qual será o tamanho do impacto da crise econômica decorrente do surto do novo coronavírus sobre a vida dos brasileiros em 2021. 

"Por incrível que pareça, essa decisão do presidente Bolsonaro é uma decisão acertada. Nós não sabemos o que está por trás, exatamente, dessa decisão e a desconfiança de todos é que não seja o raciocínio de que pode se tratar de uma evolução do processo de formulação, implementação e discussão de políticas públicas. Mas é uma decisão que coincide com a posição de muita gente que discute esse tema, inclusive a nossa, na RBRB​", afirma Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, em declarações à Sputnik Brasil.

Ferreira explica que a ideia por trás do Renda Brasil, de unificar e racionalizar mais programas somados ao Bolsa Família como um carro-chefe, já vem sendo discutida há algum tempo entre pesquisadores da área de transferência de renda e proteção social. O problema, no entanto, é que o governo, ao aceitar abordar esse tema por conta das dificuldades impostas pela pandemia da COVID-19, não foi capaz de levar a questão às pessoas que tratam dela há muito mais anos, do ponto de vista técnico, conceitual e também político. E essa falta de diálogo acabou prejudicando o desenvolvimento de uma proposta que poderia ter resultado em algo positivo, se houvesse uma discussão mais inclusiva. 

​Para o especialista, a desistência de Bolsonaro de continuar com as discussões sobre isso pode ser explicada pela instabilidade gerada pelas ideias impopulares da equipe econômica confrontada com promessas "populistas" feitas pelo próprio presidente, no sentido de não reduzir outros programas. 

"A partir do momento em que você discute o abono salarial, o seguro-defeso, e não faz o diálogo sobre quem é beneficiário dessas políticas atualmente, você deixa de fora grandes setores no momento de pactuação. Nesse cenário, manter o Bolsa Família era uma boa alternativa, que acabou sendo a escolha do presidente Bolsonaro, daquele jeito que a gente tem visto já desde o início do seu governo: tomou a decisão de forma performática e, de certa forma, atabalhoada."

A expectativa, ainda de acordo com o presidente da RBRB, é de que o governo, além de manter o Bolsa Família, realmente trabalhe para aumentar o seu valor e o número de pessoas beneficiadas, a fim de abrir caminho para um compromisso ainda maior.

"Isso pode ser, sim, um primeiro passo na direção da renda básica, como muita gente já discute há bastante tempo."

Nesta quarta-feira (16), a revista Época publicou uma matéria citando fontes do Palácio do Planalto que ainda não consideram o Renda Brasil um assunto encerrado, podendo ser retomado nos bastidores.

Segundo a publicação, a avaliação em Brasília é de que os estudos para o novo programa, que foi encomendado pelo próprio presidente, continuem sendo elaborados, mas sob sigilo, sem vazamentos para a imprensa. 

​Para Leandro Ferreira, em vez de o assunto continuar sendo tratado exclusivamente pelo Planalto, ele deveria ser levado justamente a uma discussão mais ampla. Isso porque, além dos problemas já evidenciados, resultantes da falta de um grande diálogo, em 2021, sem o auxílio emergencial, talvez, o Bolsa Família, nos termos atuais e nos previstos no orçamento do ano que vem, não será capaz de dar conta do aumento das demandas por proteção social em razão da crise provocada pelo novo coronavírus. 

"É preciso aproveitar, daqui até dezembro" para fazer uma discussão ampla sobre isso, dando oportunidade a pessoas experientes e competentes que estudam o tema de fazer contribuições importantes, seja no parlamento, em uma consulta pública realizada pelo executivo ou outro palco de debates de políticas públicas, explica. "É preciso abrir a discussão efetivamente sobre isso e não ficar anunciando as coisas atabalhoadamente a cada dois meses", como teria ocorrido, de acordo com o especialista, no caso das disputas envolvendo o auxílio emergencial, seu valor e sua prorrogação, e, agora, no caso do Renda Brasil.

"É preciso convocar a sociedade para essa discussão. E fazer, de forma séria e civilizada, um debate a respeito de como deve ser de janeiro em diante."

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