O aumento da dívida foi causado pelo encurtamento do prazo médio dos títulos da dívida emitidos desde janeiro de 2020, que caíram de 4,7 anos para 2,4 anos. Para alguns analistas, o movimento refletiria um aumento da desconfiança de investidores em relação à capacidade do país pagar suas contas.
Reflexo do encurtamento do prazo, em apenas um ano os vencimentos em 12 meses quase dobraram, subindo de R$ 553 bilhões para R$ 1,02 trilhão, ou quase 25% da dívida total.
Para o economista Ricardo Summa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a diminuição do prazo de pagamento da dívida não é resultado da desconfiança do mercado, que estaria insatisfeito, por exemplo, com a indefinição do governo sobre o financiamento do programa Renda Cidadã. Mas sim com um ajuste natural diante dos atuais indicadores econômicos.
"Acredito que se refere a expectativas sobre a tendência da taxa de juros de curto prazo no futuro. Acho que essa inflação alta pelo IGPM e o câmbio desvalorizando tornam a permanência da Selic no patamar atual muito difícil. A taxa de juros de longo prazo acaba refletindo a média das taxas de curto prazo esperadas no futuro. É normal que se o mercado ache que a taxa de curto vai subir no futuro, a taxa longa também aumente", disse Summa.
'Tesouro se adapta'
A taxa básica de juros do Banco Central (Selic) está fixada em 2% ao ano, mas o Tesouro Nacional paga mais que o dobro disso para vender títulos com vencimento daqui a dois anos. Para papéis de dez anos, a taxa cobrada pelos investidores subiu de 7,8%, em agosto, para quase 9%.
Para o economista da UFRJ Carlos Pinkusfeld Bastos, o "encurtamento ou elevação do prazo da dívida" também está relacionado à "volatilidade e expectativa de juros".
"Se existe muita volatilidade, e deve-se registrar que esse é um fenômeno mundial, não faz muito sentido os investidores se comprometerem com papéis de longo prazo que podem se revelar apostas equivocadas. O Tesouro se adapta a essa tendência natural do mercado, nas ofertas dos leilões. São oscilações naturais do mercado. E qual a consequência disso em termos práticos? Praticamente nenhuma. Tem-se um encurtamento do prazo da dívida natural, elevação das compromissadas, que vai se reverter quando a volatilidade se reduzir", afirmou à Sputnik Brasil.
Segundo o especialista, a política de juros muito baixos do Banco Central está equivocada e é insustentável. Ao mesmo tempo, outros analistas comemoram as taxas nos menores patamares da história brasileira, e temem que a inflação faça os juros e o endividamento subirem.
"Os juros estão baixos demais, o que causa fuga de capitais e inflação, com um efeito sobre a própria volatilidade do nosso risco externo. A política do Banco Central me parece equivocada e só contribui para maior volatilidade. Mas, repito, qualquer que seja a origem da volatilidade, ou externa ou uma suposta 'preocupação com o tamanho da dívida' - o que para mim é irracional, porque o governo sempre pode refinanciá-la, o impacto do encurtamento do prazo da dívida é bastante irrelevante", disse Pinkusfeld.
Sem impactos na 'economia real'
Summa, por sua vez, diz que "não faz muita diferença para as finanças públicas o prazo de vencimento da dívida".
"O governo não quebra na própria moeda e sempre poderá pagar essa dívida denominada na própria moeda. O mercado provavelmente está migrando para o curto prazo pois acredita que a taxa de juros Selic não vai ficar baixa por muito tempo, e prefere não se comprometer com empréstimos de longo prazo para o governo", avaliou.
Além disso, o especialista acredita que, no momento, esse encurtamento da dívida "não trará impactos sobre a economia real", a não ser que "fique claro que o Banco Central vai começar a subir a taxa de juros".
"Com a taxa básica de juros mais alta, a taxa de longo também fica mais alta de maneira sustentável, e isso influencia diversas taxas de juros para consumidores, empresas, etc", ponderou.
Pressão para controle de gastos
De acordo com os economistas, existe uma certa pressão do mercado e alguns setores da sociedade para que o governo respeite o Teto de Gastos, criado em 2016 durante o governo Temer, e um esforço para vincular o aumento dos juros da dívida a um afastamento desse compromisso.
Outra corrente, no entanto, defende que uma inflexibilidade tão grande com o Teto de Gastos pode trazer consequências ruins para o país. De acordo com relatórios da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado criado no final de 2016 com o objetivo de ampliar a transparência nas contas públicas, o Teto será a principal restrição fiscal da União e o risco de rompimento é elevado para 2021.
Para Pinkusfeld é impossível respeitar o teto fixado para 2021. Ele diz que "existe um programa inicial super liberal e a realidade dos fatos" e a "expansão dos gastos foi necessária para não ocorrer uma hecatombe social".
"Mesmo antes da pandemia seria difícil respeitar o Teto dos Gastos. Agora, é praticamente impossível sem parar por completo a máquina pública. Então é mais uma questão de realismo do que ideologia. Se por acaso o governo quisesse reduzir muito o gasto, provavelmente estaria jogando a economia numa dupla recessão, que, no fim das contas, acabaria por deteriorar ainda mais as contas públicas, via redução da arrecadação tributária", disse Carlos Pinkusfeld.