O Brasil vem sofrendo pressões abertas dos EUA contra a instalação da tecnologia chinesa do 5G no país. Em mais de uma oportunidade, o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, deu recados nesse sentido, afirmando que o Brasil pode sofrer "consequências" caso aceite o 5G chinês e afirmando que empresas dos EUA podem deixar de investir no país.
Em entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico na terça-feira (6), o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, deu a entender, de forma menos incisiva, que as relações entre empresas da China com o Brasil também podem sofrer influências a depender do rumo das negociações.
Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional Público da FGV no Rio de Janeiro e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da instituição, acredita que o Brasil "não deve se indispor com a China".
"Não há razões para isso. A China este ano nos deu um grande superávit na balança comercial e tem sido assim há vários anos, enquanto o nosso comércio com os Estados Unidos é deficitário. Então a nossa crise seria maior se a China não tivesse tanta demanda por soja, minério e petróleo brasileiros. A China tem sido também um parceiro confiável para o Brasil e nunca em nossa história foi uma ameaça para os interesses brasileiros", afirma o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.
"Excluir a Huawei do leilão deixará evidente que o Brasil cedeu às pressões dos EUA sem nenhuma razão concreta, senão o desejo dos EUA até o momento. Não há provas de que a Huawei seja uma ameaça à segurança nacional. E se falarmos de espionagem, já é sabido que os EUA espionaram diretamente a ex-presidenta Dilma Rousseff e seus ministros. Então, em matéria de espionagem e de segurança nacional os EUA não me parecem estar em uma posição de legitimidade para acusar a China", avalia o professor da FGV.
Menezes aponta que as relações econômicas entre China e Brasil são complementares, ao contrário das relações do Brasil com os EUA, que é de competição em mercados como o da soja. Para o pesquisador, ceder às pressões dos EUA pode impedir que o Brasil avance em "parcerias fundamentais para o nosso desenvolvimento" com a China, para além do comércio de commodities.
"A China é uma potência emergente, a segunda maior potência econômica do mundo, com grande capacidade de investimento em diversos setores, sobretudo infraestrutura, incluindo aí a tecnológica. Então quem aproveitar essa oportunidade de estabelecer cooperação com a China poderá se beneficiar de termos mais favoráveis, que incluam maior compartilhamento de tecnologia", afirma.
O pesquisador afirma ainda que não acredita que os EUA tenham condições de suprir o papel atual da China nas relações comerciais brasileiras. Por isso, Menezes alerta contra o perigo de uma possível deterioração das relações entre Brasil e China.
"Não está em condições, primeiro porque, a despeito de todos os esforços do atual presidente brasileiro [Jair Bolsonaro] de agradar o presidente dos EUA [Donald Trump], não houve nenhum gesto efetivamente concreto de boa vontade dos EUA que favorecesse a economia brasileira e a sociedade brasileira. Muito pelo contrário, o governo brasileiro é que tem cedido reiteradamente às pressões ou aos pedidos do governo de Donald Trump", aponta.
Para Menezes, as pressões dos EUA para impedir o 5G chinês de chegar ao Brasil são um tipo de interferência na soberania brasileira e demonstram que os norte-americanos "não confiam na capacidade das instituições brasileiras de fazer a escolha de maneira soberana".
"No momento em que se ameaça um país de consequências por permitir a Huawei participar do leilão está se dando um recado não só extremamente antipático, mas um recado de que a relação com o Brasil não é uma relação de confiança, quer dizer, os EUA não confiam nas instituições brasileiras, não confiam no sistema regulatório brasileiro, não confiam nas agências de regulação do Brasil, não confiam no interesse genuíno do Brasil de ter a sua tecnologia e, obviamente, se proteger de todo e qualquer tipo de espionagem, seja dos EUA, seja da China, seja de qualquer outro país", ressalta Menezes.
Brasil tem que saber 'tirar proveito' da situação
O pesquisador da FGV também afirma que esse tipo de situação, com pressões dos dois lados, deve ocorrer em vários países com mais frequência nos próximos anos devido ao crescimento da rivalidade entre China e EUA, mas que há diferenças nas abordagens de ambos.
"O que muda é a abordagem. Claramente a abordagem americana é uma abordagem mais agressiva, e a abordagem chinesa é sutil, sutil no seguinte sentido: os chineses buscam outros caminhos se veem que, no caso, olhando a perspectiva do Brasil, se perceberem que o Brasil é um país no qual eles não podem estabelecer relações de longo prazo, dado que cederia facilmente às pressões dos EUA", aponta.
Evandro Menezes ressalta que a melhor posição que o Brasil pode tomar nessa disputa é de neutralidade, aproveitando as oportunidades derivadas na rivalidade sino-americana.
"O Brasil tem que saber sobreviver nesse ambiente e tentar tirar o melhor proveito possível dessa disputa, que não é do Brasil, é uma disputa entre EUA e China. Nós temos que nos colocar em uma posição, na maior parte do tempo, com o máximo possível de neutralidade, e tomar decisões com base nos interesses exclusivamente brasileiros de soberania brasileira", conclui.