Em 2020, a saída de investidores estrangeiros de aplicações de risco deve ser o dobro do que no ano passado. A previsão é de que entre janeiro e dezembro o saldo entre aplicações e retiradas ficará negativo em US$ 24 bilhões (R$ 134 bilhões).
Em 2019, esse saldo foi de US$ 11,1 bilhões (R$ 62 bilhões). Os números são do IIF (Institute of International Finance), que reúne 450 bancos e fundos de investimento em 70 países.
Segundo o economista Ricardo Balistiero, coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, 2020 foi um ano de "turbulências" e o investidor estrangeiro, em função da pandemia da COVID-19, ficou com maior "aversão ao risco" do que de costume, o que facilitou a fuga de capitais do Brasil.
"No ano de 2020 os investidores procuraram proteção frente às turbulências que surgiram no mercado internacional. No caso do Brasil, principalmente no mês de março, tivemos uma alta muito forte do dólar e vários circuit braker, quando a bolsa para de operar, e uma boa parte disso aconteceu por causa da saída de capitais externos", disse o economista.
Desconfiança com perda de grau de investimento
No entanto, a crise do coronavírus é apenas um dos fatores que explicam esse fenômeno. Segundo Balistiero, a desconfiança externa em relação ao Brasil vem desde 2015, quando o país perdeu o grau de investimento das agências de classificação de risco.
"Se recuperou parte da confiança, mas não conseguimos recuperar esse grau perdido há cinco anos. Continuamos sendo grau de especulação. Nesse cenário, há necessidade de um ajuste fiscal muito firme, muito duradouro. Porque, do contrário, a confiança não retorna. Existe um dado importante para ser levantado: da nossa dívida total, aproximadamente 20%, era financiada com capital externo. Hoje, é abaixo de 10%. Isso denota uma perda de confiança bastante grande em nossa economia", afirmou o especialista.
O economista enxerga uma leve melhora nas condições do Brasil e do mundo, já que "o pior da pandemia ficou para trás", mas ressalta que não temos apenas problemas "conjunturais", e sim "estruturais", que se não forem solucionados o investimento não voltará.
'Dilema' entre gastos e ajuste
Para o especialista, o Brasil vive hoje um "dilema", entre seguir o caminho das reformas e ajustes, ou apostar no aumento dos gastos públicos "para manter a popularidade do presidente em alta".
"Apenas a trajetória de reformas e de compromisso com o equilíbrio fiscal é que pode possibilitar o país recuperar essa confiança e atrair capitais externos", opinou Ricardo Balistiero.
De acordo com o IFF, também houve fuga dos investimentos direcionados ao setor produtivo, geralmente de longo prazo e voltados à ampliação de empresas comerciais e industriais. A previsão é de que o Brasil atrairá neste ano US$ 49 bilhões (cerca de R$ 274 bilhões), ante US$ 73 bilhões (aproximadamente de R$ 409 bilhões) em 2019. Somando os diferentes tipos de entradas e saídas, o país terá fluxo positivo de dinheiro estrangeiro de US$ 11 bilhões (cerca de R$ 61,5 bilhões), abaixo dos US$ 59 bilhões (aproximadamente R$ 330 bilhões) de 2019.
'Pagará preço muito alto'
O economista Ricardo Gennari, proprietário da empresa de consultoria Troia Intelligence, também avalia que, além da pandemia, a falta de compromisso com o ajuste das contas públicas e com o Teto de Gastos contribuiu para a desconfiança externa.
"O mercado internacional observa isso. Essa quebra desse processo balizar da economia brasileira será muito negativa e a gente pagará um preço muito alto por isso. Por isso que a gente está começando a ter esse desinvestimento no país", disse à Sputnik Brasil.
Meio-ambiente, Lava Jato e COVID-19
O economista cita ainda a política ambiental do governo, o enfraquecimento da operação Lava Jato e a falta de coordenação do governo no combate à COVID-19 como fatores que influenciam negativamente a imagem do país.
Ele vê uma mudança de quadro como distante, e critica a lentidão do governo em tomar "decisões".
"Depende das decisões do próprio governo, mas essas decisões estão sendo muito lentas, quando existem soluções. O governo e os ministérios do Meio Ambiente e da Economia deveriam dar uma resposta direta à sociedade brasileira e internacional, coisa que a gente não está vendo. Então falar a médio e longo prazo dessa retomada da economia ainda é um pouco incipiente", disse Ricardo Gennari.