No início de outubro, Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento e da proposta de emenda à Constituição 186/2019, a chamada PEC Emergencial, na qual o novo programa será inserido, disse que o texto sobre o Renda Cidadã será apresentado nesta quinta-feira (15) ou sexta-feira (16).
Em 28 de setembro, Bolsonaro anunciou a criação do programa, mas sem indicar valores do benefício. Além disso, a fonte dos recursos para o projeto, que poderiam vir, em parte, de verbas reservadas no Orçamento para pagamento de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça) e do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) geraram muitas críticas.
'Balão de ensaio'
Por isso, a expectativa é de que o governo esclareça melhor agora como será o financiamento do Renda Cidadã e o valor do benefício. Para Marcelo Seráfico, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o cenário no Brasil atualmente é muito "instável" e é difícil fazer "apostas", mas o esforço do governo em ter o seu próprio programa social pode ter algum impacto nas eleições municipais.
"Os candidatos que se colocarem como vinculados ao presidente podem sim se beneficiar. O governo está fazendo um balão de ensaio com esse tipo de política. Uma ideia que estava sendo deixada de lado por conta do que o governo considerava um ajuste fiscal. Candidatos que colarem seu nome a esse tipo de proposta tendem a ter ganhos eleitorais", disse Seráfico.
Necessidade de programa é 'consenso'
Para o sociólogo, a "necessidade de um programa de renda mínima se tornou quase um consenso no Brasil, inclusive entre setores identificados com políticas neoliberais". O impasse, agora, é de onde tirar os recursos: enquanto ala do governo aposta em aumento dos gastos e projetos de infraestrutura, outra, embora aceite a criação do programa, defende que não se rompa o Teto de Gastos - solução que poderia significar aumento de impostos ou o remanejamento de verbas de outros projetos.
Apesar da importância de um programa como o Renda Cidadã, Seráfico diz que faltam iniciativas mais "estruturantes", que melhorem a rede de proteção social da população como um todo, por exemplo em questões como habitação, saneamento e garantias trabalhistas.
"E no que diz respeito ao valor pago pelo programa surge a questão: será que o governo está melhorando o Bolsa Família ou se apropriando da ideia e colando sua marca? Acho que tem um pouco de tudo: oportunismo eleitoral e, do ponto de vista do presidente, tentativa de apagar a política dos governos do PT. E, no fundo de tudo isso, tem a constatação, que não é de natureza cidadã nem humanitária, mas de natureza estritamente econômica, de que essa transferência de renda acaba minimizando tanto os efeitos da crise econômica quanto da pandemia", disse Marcelo Seráfico.
'Efeito é mais político'
Para Carlos Sávio Gomes Teixeira, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), não haverá tempo do Renda Cidadã influenciar as eleições municipais de novembro. Segundo ele, o que ainda está em jogo são os impactos do auxílio emergencial pago pelo governo.
"Esse programa é só para o ano que vem, é só um anúncio simbólico, não acredito em efeitos eleitorais. O efeito é mais político, de mostrar que o governo vai insistir nessa agenda de atendimento assistencialista junto às classes populares", disse o cientista político à Sputnik Brasil.
Impasse do Renda Cidadã deixa pobres 'à mercê da discussão partidária' do governo, diz especialistahttps://t.co/OioNDBU3ey pic.twitter.com/3yAdY9gSTa
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 9, 2020
Segundo Carlos Sávio, os esforços para formular o Renda Cidadã "realçam disputa interna dentro do governo", colocando, de um lado, a equipe econômica, com sua obsessão fiscalista, contas públicas acima de qualquer outra questão", e, do outro, "núcleo do governo liderado por Bolsonaro".
"Houve migração da base social que apoia o governo, que aconteceu no processo de estabelecimento do auxílio emergencial. É preciso alimentar essa base nova, oriunda das classes populares, que, entre aspas, se encantou com o governo Bolsonaro por conta da ajuda, tal como se encantou com o governo Lula por conta dos programas de transferência de renda", explicou Carlos Sávio Gomes Teixeira.