Um estudo realizado com prefeitos, secretários e gestores de 302 municípios brasileiros mostrou que a educação foi o setor mais atingido pela pandemia da COVID-19.
A necessidade de reinventar formas de dar continuidade ao ensino levou o Conselho Nacional de Educação (CNE) a adotar uma resolução que pode permitir a unificação dos anos letivos de 2020 e 2021. De acordo com a proposta, os alunos poderão avançar uma ou duas séries após término do ano letivo unificado.
O que significa a resolução do CNE?
A professora de História da Rede Municipal de Angra dos Reis (RJ), Izabela Morgado, contou à Sputnik Brasil que a proposta do CNE é justa ao garantir a não reprovação de alunos com dificuldades de acesso à Internet, mas impõe aos educadores uma reorganização curricular que não ficou clara na resolução.
"A união dos anos letivos evita que o aluno não seja promovido no final desse ano. Muitos alunos tem um acesso limitado à Internet e só possuem um celular para acessar os conteúdos. Reprovar esse aluno seria muito injusto. Com a união do ano letivo, o professor poderia lançar apenas atividades diagnósticas para o aluno esse ano e decidir pela promoção ou não no final do ano que vem. Esses são os prós para mim da união dos anos letivos", afirmou.
De acordo com ela, os pontos negativos da proposta estão relacionados principalmente com o nono ano do ensino fundamental e o terceiro ano do ensino médio.
Nova medida permite que estudantes concluam em 2021 conteúdo que ficou prejudicado no ano letivo de 2020 em razão das aulas presenciais suspensas. https://t.co/Ka90vJDH18
— Desafios da Educação (@desafioseduca) October 7, 2020
"Os alunos do nono ano que estudam na rede pública, geralmente saem de uma escola municipal e vão cursar o ensino médio numa escola estadual. Como se dará a união desse currículo nesse caso? Haverá comunicação entre as redes ou as escolas? Não ficou muito claro", argumentou.
"O mais complicado será para o terceiro ano do ensino médio, muitos alunos estão ansiosos para ingressar na universidade ou obter o diploma para conseguir um emprego melhor. Essa resolução diz que, em alguns casos, o aluno terá que continuar realizando atividades complementares no próximo ano", acrescentou a educadora.
Desafios do ensino remoto
Ao comentar sobre os desafios que a pandemia da COVID-19 impôs aos professores, Izabela Morgado citou a adaptação às plataformas on-line como um dos pontos mais críticos do ensino remoto.
Ela conta que muitos professores não possuiam intimidade com o tipo de tecnologia que foi oferecido da noite pro dia, e tampouco foi oferecido um curso de capacitação para muitos desses professores.
Seriam 31 milhões de alunos sem aulas até o fim do anohttps://t.co/DuGHxG1bQU
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 15, 2020
Além disso, a professora de História disse que a resposta demorada de muitas secretarias durante a escolha da plataforma tornou "mais trágica" a evasão dos alunos no ensino público.
"Em todas as minhas turmas possuo alunos que nunca acessaram a plataforma. Não foi oferecido um tablet ou chip com acesso à Internet. Nós estamos falando de alunos que não possuem wi-fi em casa e nem computador. Sou professora da Rede Municipal de Angra dos Reis e lá não podemos criar videoaulas porque nem a plataforma suporta os vídeos e nem os alunos possuem pacote de dados para ver um vídeo longo. Como vou disponibilizar uma atividade com conteúdo novo que eu não expliquei?", relata.
A educadora ainda citou o fato de que o ensino remoto provoca situações em que os profissionais têm uma carga de trabalho significativamente aumentada por conta dos problemas encontrados na comunição entre pais, alunos e professores.
"Alguns professores são pressionados a formar grupos de WhatsApp com os pais ou os alunos e acabam trabalhando dobrado, porque além de disponibilizar aulas e atividades, trabalham a mais explicando os exercícios para eles, muitas vezes fora do seu horário de trabalho, à noite ou no final de semana", completou Izabela Morgado.
Precarização na 'nova divisão social do trabalho'
O pedagogo e professor de Educação da UERJ, Lincoln Araújo, por sua vez, argumentou que o atual período de pandemia intensifica um processo de transição do capitalismo internacional, com a qual os professores são inseridos em uma "nova roupagem da divisão social do trabalho".
"São novas formas de trabalho e, com essa nova dinâmica do trabalho, os trabalhadores mais uma vez são sufocados, são explorados, diante da própria precarização do seu serviço. E o professor sofre neste contexto que eu estou chamando de nova divisão social do trabalho, que é um processo que começa pós-Segunda Guerra Mundial, e nesse momento ele se concretiza nas ações de home office", explica o pedagogo.
De acordo com o especialista, este contexto de ensino remoto não garante o financiamento da capacitação dos professores, resultando em uma "concentração de capital e dos lucros na mão de quem domina a tecnologia, quem domina e vende os aparelhos tecnológicos".
"Grande parte da mídia e setores da sociedade brasileira estão aplaudindo a educação remota como a grande alternativa de saída, não só nesse momento da pandemia, mas como possibilidade futura de ter outro modelo educacional", afirmou o professor da UERJ.
De acordo com ele, a data do Dia do Professor é importante para uma "reflexão da opressão que o professor vem recebendo do grande capital com a anuência do governo federal".
O pedagogo observou ainda que existem experiências positivas de educação à distância no mundo inteiro, tanto em países capitalistas quanto socialistas, mas no Brasil a entrada do ensino à distância veio a partir de "interesses privados de acumulação de lucros de grandes empresas que não têm preocupações educacionais".