Dmitry Kiselev, diretor-geral da Rossiya Segodnya, também tomou uma entrevista paralela ao líder armênio Nikol Pashinyan, com questões e duração iguais. Ilham Aliev, presidente do Azerbaijão, disse em entrevista como ele avalia a situação na região, quais são as perdas das partes em conflito, se é verdade que mercenários da Síria e da Líbia estão lutando do lado do Azerbaijão.
Ele também explicou a posição de Baku sobre os princípios básicos do acordo, a partir dos quais a reconciliação deve começar, disse como o lado azeri vê um compromisso sobre a questão de Nagorno-Karabakh e quais são para o Azerbaijão as "linhas vermelhas" que nunca cruzará. Além disso, compartilhou sua opinião sobre se os azeris e os armênios podem coexistir pacificamente.
Dmitry Kiselev: Senhor presidente, muito obrigado por esta oportunidade de lhe colocar perguntas nestes tempos tão difíceis para o Azerbaijão e para o mundo todo. Como o senhor pode avaliar os resultados das ações militares desde o dia 27 de setembro, quais são as perdas de ambas partes, segundo sua avaliação, há muitos prisioneiros?
Ilham Aliev: Em 27 de setembro o Azerbaijão foi atacado pelas forças armênias, este não foi o primeiro ataque nos últimos três meses. Algo parecido, mas em menor escala, aconteceu em julho na fronteira do Estado, mas aquele ataque foi rechaçado, depois em agosto, com tentativas de realizar ataques terroristas à população e aos militares, através do envio de um grupo de sabotadores do lado da Armênia, o chefe deste grupo foi detido e está prestando depoimento. No fim de setembro nossas povoações foram atingidas por ataques de artilharia e logo nas primeiras horas nós tivemos vítimas entre a população civil e os militares. Até hoje tivemos 43 civis mortos, mais de 200 feridos, cerca de 2.000 casas em povoados e cidades perto da linha de contato ficaram completamente destruídas ou atingidas. Infelizmente, os bombardeios de artilharia pela Armênia continuam mesmo depois que foram acordados os termos de cessar-fogo, incluindo o bombardeio bárbaro da cidade de Ganja, que matou 10 civis e feriu cerca de 40. Quanto às baixas em combate, segundo nossos dados as baixas armênias são muito superiores às nossas. Vamos anunciar as perdas depois da fase aguda do conflito. Quanto aos resultados de ações de combate, o Exército do Azerbaijão conseguiu furar múltiplas vezes a defesa do inimigo e libertar dezenas de povoações, incluindo o estrategicamente importante povoado de Magadiz, na república não reconhecida de Nagorno-Karabakh, e continua recuperando o território defendido pela Armênia. Expulsamos os ocupantes das alturas estratégicas da cordilheira de Murovdag e continuamos nossa operação bem-sucedida para restaurar a integridade territorial de nosso país.
DK: Ouvimos de várias fontes sobre participação de mercenários da Síria ou da Líbia ao lado do Exército azeri, até que ponto se pode confiar nisso?
IA: Já falei sobre este assunto muitas vezes. Não há necessidade de ajuda militar do exterior no Azerbaijão. Nosso Exército possui mais de 100.000 combatentes e poderia ser aumentado várias vezes em caso de mobilização. As unidades militares que temos hoje podem realizar qualquer tarefa. Imagens de eliminação do equipamento bélico da Armênia estão disponíveis na Internet. Com certeza, nenhum mercenário tem tal qualificação e tais capacidades técnicas. Por meio de ataques de drones nós destruímos armamento militar do inimigo no valor de mais de 1 bilhão de dólares, sem contar com os outros equipamentos que temos. O potencial do Exército azeri é conhecido, não é segredo para ninguém. Por isso não temos necessidade de forças adicionais. Azerbaijão sempre foi um combatente coerente contra o terrorismo, nunca aceitaremos que quaisquer organizações terroristas criem seus ninhos no nosso território, especialmente que eles representem uma ameaça a nosso povo e nossos vizinhos. Não aceitaríamos isso nunca. Ninguém nos apresentou provas sobre a presença de agrupamentos armados estrangeiros no território do Azerbaijão, que participem destes combates. Nossa posição oficial é que não temos nenhuns mercenários estrangeiros.
DK: Nos acordos de Moscou de 10 de outubro são citados os princípios básicos de regulação. Poderia explicar, por favor, estes princípios, tal como o senhor os entende?
IA: Estes princípios têm sido desenvolvidos ao longo de muitos anos. Há mais de 10 anos, diria eu. No processo do meu trabalho com a liderança anterior da Armênia temos sido muito ativos no processo de coordenação de posições. Foi muito difícil. As negociações são, de qualquer forma, um processo complicado, e ainda mais em uma questão tão importante. No entanto, ambos os lados demonstraram sua disposição de seguir o caminho da solução política. Mas infelizmente, depois que o atual governo da Armênia chegou ao poder, tudo o que havia sido trabalhado antes foi simplesmente jogado na cesta pelo lado armênio. E houve também uma tentativa de mudar o formato das negociações, para envolver as autoridades da chamada república de Nagorno-Karabakh nas negociações, o que foi rejeitado tanto por nós como pelos copresidentes do Grupo de Minsk da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa]. Quanto aos princípios básicos, tudo está claramente afirmado ali. Está previsto libertar as regiões ocupadas do Azerbaijão em um plano faseado. Na primeira etapa seria a parte sudeste dos territórios ocupados, cinco distritos. A segunda etapa incluiria os territórios que estão localizados entre Nagorno-Karabakh e Armênia, os distritos de Lachin e Kelbajar, a abertura de todas as vias de comunicação, inclusive as localizadas em outras partes da fronteira entre a Armênia e o Azerbaijão, o retorno de refugiados e deslocados a lugares de sua residência original, o que implica o retorno de refugiados azeris tanto ao território de Shusha quanto a outras partes da antiga Região Autônoma Nagorno-Karabakh. Também deveria haver negociações sobre o status final de Nagorno-Karabakh a serem acordadas pelas partes. Em resumo, estes são os princípios básicos que o Azerbaijão sempre respeitou e os quais desenvolvemos. Mas o novo governo armênio declarou repetidamente que isso é inaceitável, que eles não devolverão um único centímetro de terra. Foi o primeiro-ministro que disse isso. O ministro da Defesa armênio disse que a Armênia está se preparando para uma nova guerra por novos territórios. Ouvimos ameaças e insultos em nossa direção, o que resultou neste confronto. Penso que o lado armênio deveria avaliar sobriamente a nova situação e se comprometer com o regime de cessar-fogo, que ele violou de forma bárbara em poucas horas ao bombardear a cidade adormecida e pacífica de Ganja.
DK: Senhor presidente, se falarmos sobre compromissos, quais são os compromissos que vocês poderiam aceitar? E existe algum limite que vocês não podem ultrapassar em quaisquer circunstâncias?
IA: Nossa posição sempre foi construtiva e coerente. Ela foi baseada em normas do direito internacional no contexto de cumprimento das resoluções do Conselho da Segurança da ONU, que exigiram a retirada completa, imediata e incondicional das forças armênias de nossos territórios. Nossa posição sempre foi baseada em abordagem pragmática e acho que as ideias representadas na mesa de negociações mostram isso. No que se trata de linhas vermelhas, já falamos sobre isso e os membros do Grupo de Minsk sabem disso: em nenhuma circunstância Azerbaijão aceitaria a violação de sua integridade territorial, em nenhuma circunstância Azerbaijão aceitaria a independência do Nagorno-Karabakh. Mas ao mesmo tempo, nossa proposta partiu da ideia que no futuro, no território do Nagorno-Karabakh devem coexistir em paz as comunidades azeri e armênia. O que acontece em outras localidades do Azerbaijão, incluindo em Baku, onde tem uma grande comunidade de armênios, na Rússia, na Geórgia, em outros países, onde armênios e azeris vivem e trabalham no mesmo vilarejo e não têm nenhumas divergências entre eles. Por que isso não pode ser atingido aqui? Nós queremos isso, mas com certeza devem ser eliminadas as consequências da limpeza étnica e todos nossos refugiados devem voltar a suas casas. Então, eu lhe expliquei um pouco mais que os princípios básicos, a nossa abordagem quanto aos compromissos possíveis.
DK: Senhor presidente, a violência desta guerra já entrou para a história. E o senhor também faz parte da história dessa guerra. De que maneira o senhor gostaria de ficar na história?
IA: Qualquer guerra é crueldade, sacrifício, sofrimento humano, perda de parentes, mas a diferença é que para o povo do Azerbaijão esta guerra é uma guerra de libertação, enquanto para a Armênia é uma guerra de conquista. Não é segredo para ninguém, e isto é um fato que os mediadores internacionais já sabem, que o chamado Exército de Nagorno-Karabakh não existe. Hoje, no agrupamento que é assim chamado pelo lado armênio 90% dos soldados são cidadãos da Armênia, são mobilizados para o serviço militar pelos serviços de recrutamento armênios e são enviados para os territórios ocupados do Azerbaijão: Agdam, Fizuli, Jabrail, Kelbajar, Kubatly, Lachin, Zangelan. A pergunta é: o que eles estão fazendo lá? Hoje as forças armênias de ocupação estão localizadas em territórios do Azerbaijão internacionalmente reconhecidos, e isto não pode ser justificado por nada: nem em termos de direito internacional, nem em termos de moral humana. É impossível seguir uma política de exclusão dos azeris de sua pátria por 30 anos. Estes são territórios onde a população armênia nunca viveu. Outro problema é que tudo está destruído lá, e leva muito tempo e esforço para voltar lá, mas esta posição não pode ser justificada de jeito nenhum. É por isso que nós e nossos soldados estamos lutando e morrendo em terras azeris, e os soldados armênios estão morrendo em terras que seu governo quer manter sob ocupação. Quanto ao papel na história, nunca pensei nisso. A minha tarefa é justificar a confiança do povo azeri, manter as promessas que eu dei durante todos os anos em que ocupo este cargo. E dirigir o país pelo caminho de desenvolvimento e assegurar sua integridade territorial. Como meu papel será avaliado no futuro, isso vai depender da vontade do povo azeri, daquilo que nós obtivermos. Então acho que essa questão é para aqueles cuja opinião foi para mim a principal na tomada de decisões, incluindo sobre a questão de Nagorno-Karabakh.
DK: Senhor presidente, obrigado, eu fiz todas as perguntas que planejei, pode ser que o senhor queira adicionar algo?
IA: Queria aproveitar esta oportunidade e expressar minha gratidão por esta oportunidade, enviar minhas palavras ao público russo. Eu queria que houvesse mais entendimento da posição do Azerbaijão. Porque tem várias opiniões quanto ao conflito, à história do país, ao estado atual. Baseado em fatos, queria explicar ao público o que realmente aconteceu e está acontecendo. No início do século XIX, Ibrahim Khalil Khan, cã de Karabakh e Shusha, assinou um acordo com a Rússia czarista, representado pelo general Tsitsianov, sobre a inclusão do Canato de Karabakh na Rússia. Este texto do acordo é chamado de acordo de Kurekchay está disponível na Internet, todo o mundo o pode ver. Neste acordo, não se diz uma única palavra sobre população armênia do Canado de Karabakh. O reassentamento em massa da população armênia para esta região começou após duas guerras russo-persas de 1813 e 1828. E desde então o reassentamento em massa de armênios na região de Karabakh partiu do território do moderno Irã e parcialmente da Anatólia Oriental. Isto é acerca de a quem esta terra pertence historicamente. Após o fim do Império Russo, foram criados os países independentes do Azerbaijão e da Armênia. Pois bem, a República Democrática do Azerbaijão foi estabelecida no âmbito de todos esses territórios e, além disso, no dia seguinte ao anúncio da criação da República Democrática do Azerbaijão, decidiu transferir a cidade de Erevan para a Armênia como a capital. Este também é um fato histórico. Em 1921, o Escritório Caucasiano decidiu deixar Nagorno-Karabakh dentro do Azerbaijão, em vez de o entregar, como alguns pseudo-historiadores o interpretam. Essa é a história desta região. O colapso da URSS também começou com o separatismo em Nagorno-Karabakh. Foi o gatilho. Afinal, muitas pessoas esquecem estes comícios na região, quem os organizou, quem estava por trás deles. Eu costumo dizer que Pashinyan é um produto de Soros famoso bilionário, e acho que todos concordarão comigo. Mas Soros já nem sequer é uma pessoa, é um conceito. Não excluo que mesmo então tenham sido colocadas em uso tais ferramentas para destruir o grande país URSS. Fazer implodir, semear a discórdia, atiçar os povos e destruir o Estado. Que foi o que aconteceu, a propósito. Portanto, gostaria simplesmente de chamar a atenção do público russo para estes fatos históricos e dizer que o Azerbaijão e a Rússia estão ligados por laços seculares de amizade, cooperação e compreensão mútua. Hoje, a Rússia e o Azerbaijão se consideram como parceiros estratégicos. O nível de interação entre nossos países pode servir como um exemplo para qualquer vizinho. E estou confiante de que depois que a fase militar do conflito tiver terminado e passarmos a um acordo político, e estamos prontos para o fazer já amanhã, se o lado armênio descartar as tentativas de recuperar o que perdeu e o que não possui pela força, estou confiante de que a Rússia continuará desempenhando um papel de liderança na estabilização de nossa região. No ano passado um milhão de russos visitou nosso país em 2019, e desejo que após a pandemia este ímpeto seja restaurado. Sempre recebemos nossos convidados da Rússia, e eles sabem que quando chegam ao Azerbaijão, eles se sentem em casa.