Em cúpula virtual organizada na segunda-feira (19) pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Pompeo afirmou que tanto Brasil como os EUA precisavam diminuir a dependência de importações da China. Segundo ele, a participação chinesa nas economias dos dois países traz "riscos enormes".
Durante o encontro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou três acordos comerciais e contra a corrupção com Washington, que foram assinados horas mais tarde. Pompeo pediu fortalecimento do comércio entre Brasil e EUA.
Nesta segunda-feira (19), Brasil e Estados Unidos assinaram o Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica bilateral https://t.co/f5XsvvohYi
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 20, 2020
Segundo Marcos Cordeiro Pires, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), do ponto de vista comercial ou de segurança, as declarações de Pompeo não passam de "bravata ou hipocrisia".
"Do ponto de vista estritamente comercial, ou em relação a possíveis ameaças à segurança e privacidade decorrentes do ingresso da Huawei na infraestrutura de 5G, nos parece bravata ou hipocrisia, pois não há país que mais utilize suas tecnologias para coletar informações sobre aliados e adversários do que os EUA. As denúncias de Edward Snowden e Julian Assange falam por si", disse o coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-Unesp).
Satélites: colaboração preocupa EUA
Por outro lado, Pires diz que, em relação ao aspecto militar, "a colaboração do Brasil com a China em tecnologia de satélites e a montagem de uma base espacial em Neuquén, na Argentina, têm preocupado o setor de defesa dos Estados Unidos, porque podem potencializar o projeto espacial chinês que, assim como o dos Estados Unidos e da Rússia, não possui uma divisão clara para separar a aplicação civil da militar".
Já Alexandre Cesar Cunha Leite, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico (GEPAP/UEPB), diz que reduzir a dependência é algo positivo, mas "não necessariamente de produtos chineses".
"O risco que o Brasil corre é ter sua base de produção tecnológica minada com a política de redução dos investimentos na educação, ciência e tecnologia. Quando se opta por importar tecnologia, o país aceita sua condição de dependência. Acredito que a relação comercial com a China oferece tantos riscos quantos seriam os riscos de uma dependência cega aos Estados Unidos. Na verdade, diante dos posicionamentos recentes na seara comercial, vejo mais riscos na relação com os Estados Unidos, que não têm atentado para a reciprocidade das relações", disse Leite, que também é pesquisador do INCT-INEU.
"Então, essa é mais uma medida restritiva para o comércio internacional do governo americano, mais uma medida de proteção para a indústria americana, e é extremamente danosa para as exportações brasileiras" https://t.co/KZGpnWqWOG
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 16, 2020
Impossível diminuir participação chinesa
Para o especialista, no momento é impossível o Brasil reduzir as trocas comerciais com seu maior parceiro, a China. Ao mesmo tempo, os "EUA têm pouco a oferecer atualmente no que diz respeito à substituição da posição chinesa".
"Na atual conjuntura, o Brasil não apenas depende do fluxo comercial com a China, como tem criado dependência dos fluxos de capitais de mesma origem", disse Leite.
O pesquisador afirma ainda que o "Brasil não tem um parceiro comercial que compre o volume de produção comprada pela China, assim como não tem hoje um fornecedor de mercadorias com os preços praticados pela China".
"O Brasil tem venda de soja, minério, milho, carne suína e aves comprometida para os próximos dois anos. Vai romper contratos?", questionou Leite.
'Vozes delirantes e ideologizadas'
Para Tatiana Teixeira, pesquisadora do Opeu (Observatório Político dos Estados Unidos), "ainda que vozes delirantes e mais ideologizadas do governo atual façam pressão" no sentido de diminuir as importações da China, isso "seria uma decisão política contrária às condições dadas hoje da economia nacional, pensando em termos de comércio, de capacidade instalada do nosso parque industrial e no atual cenário de crescimento reduzido, desemprego e baixo investimento em inovação e pesquisa".
Durante a campanha de 2018, Bolsonaro adotou uma postura anti-China. Após assumir seu mandato, as críticas diminuíram, mas não sumiram por completo e nem impediram uma grande aproximação do Brasil aos EUA.
Pragmatismo à prova em leilão de 5G
Para Marcos Cordeiro Pires "o pragmatismo" do presidente em relação ao país asiático "é algo imposto" por setores econômicos, e "será colocado à prova no leilão para a infraestrutura da Internet de 5G". Pressionado pelos EUA, o governo Bolsonaro avalia proibir a participação da China no leilão.
Nesta terça-feira (20), em resposta indireta às declarações de Mike Pompeo, o Ministério das Relações Exteriores da China disse, segundo a agência Reuters, que autoridades norte-americanas estavam "difamando" as boas relações entre os países.
Na guerra comercial entre EUA e China, que deve se intensificar no pós-pandemia, o Brasil deveria adotar a "sábia" postura de neutralidade, argumentou Pires.
"Para o Brasil, a postura mais sábia seria a adoção de um não-alinhamento pragmático, pois não interessa ao país romper politicamente com o país hegemônico no hemisfério e, tampouco, constranger seu principal parceiro comercial. Novamente, a definição da infraestrutura do 5G será um divisor de águas", avaliou o pesquisador.