As eleições bolivianas de 18 de outubro não significaram apenas o retorno do Movimento ao Socialismo (MAS) ao poder, mas também reforçaram os questionamentos feitos à missão eleitoral da OEA, que em 2019 havia denunciado supostas "irregularidades", acendendo a faísca de violência que acabou derrubando o então presidente Evo Morales.
Em seu relatório final sobre as eleições de 2019, observadores da OEA questionaram os resultados em 86% da votação, uma vez que consideraram o apoio, de 91% ao MAS em algumas regiões, como um comportamento "incomum". Esse comportamento "incomum" expandiu definitivamente a vantagem de Morales sobre Carlos Mesa no sistema de Transmissão de Resultados Preliminares (TREP).
Agora nas eleições de 18 de outubro de 2020, o Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag) decidiu testar a validade do relatório da OEA de 2019, comparando os resultados deste ano com os do ano passado. O resultado mostrou que, longe de diminuir, o apoio ao MAS naquelas mesmas regiões passou de 91% para 97%, em média.
A socióloga argentina Gisela Brito, coordenadora de Opinião Pública do Celag, explicou à Sputnik Mundo que a pesquisa indicou que o MAS obteve "em média cinco ou seis pontos a mais" do que obteve em 2019 nesses circuitos, resultado que condiz com a votação do MAS em nível nacional, que também passou de 47% em 2019 para cerca de 54% em 2020.
Brito ressaltou que a quantidade de votos que o MAS recebe nesses lugares não é "incomum", como disse a OEA, pois corresponde a áreas rurais e comunidades indígenas "que desde 2005 (quando Evo Morales chegou pela primeira vez ao Governo) têm um comportamento de apoio majoritário ao MAS, com valores de 80% e 90%".
Para a especialista, a análise confirma que em 2019 "o que a OEA fez foi politizar uma missão eleitoral que deve ter um caráter técnico". Nesse sentido, argumentou que os observadores eleitorais do órgão regional agiram com "intencionalidade" porque queriam "erodir e deslegitimar uma eleição que tinha uma margem muito estreita", garante Brito.
Ao afastar-se de sua natureza técnica, a OEA acabou "questionando o comportamento político dos eleitores […] A OEA não tem o poder de questionar como os cidadãos votam, ela só tem que garantir que as eleições sejam realizadas de maneira justa", sublinhou a socióloga.
OEA sem credibilidade
Assim como a missão eleitoral de 2019 teve graves consequências para o sistema político boliviano, as conclusões que podem ser tiradas de sua atuação após as novas eleições de 2020 podem marcar um antes e um depois para o órgão, alertou Brito.
"A principal consequência é que a OEA se deslegitima como instituição na realização de missões eleitorais em outros países", vaticina a especialista.
Brito destacou que a OEA atuou na Bolívia sem "imparcialidade e rigor técnico", dois requisitos que considera necessários para este tipo de intervenção nos processos eleitorais, e cuja ausência pode abrir um precedente que colocaria dúvidas em uma futura participação.
Para a especialista, a demissão do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, que foi reeleito para o cargo em março passado, seria uma forma de recuperar a credibilidade da organização, pois seria também "uma autocrítica e uma auditoria interna sobre aquela missão eleitoral, o que é perfeitamente possível".
"É essencial que o comportamento dessa missão seja revisto como forma de legitimar e construir confiança, porque as missões eleitorais são construídas com confiança e responsabilidade", concluiu Brito.