Na sexta-feira (23), o ministro Ricardo Salles foi às redes sociais para atacar o ministro general Luiz Eduardo Ramos, chamando-o de "Maria fofoca". No dia seguinte, a situação foi criticada publicamente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e também pelo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Maia chegou a afirmar que Salles estava tentado destruir "além do meio ambiente" também o próprio governo.
Após a repercussão negativa, Salles se desculpou e o ministro Ramos colocou panos quentes na situação. Apesar disso, conforme publicou a coluna do jornalista Valdo Cruz, nesta segunda-feira (26), no portal G1, a ofensa pode ter sido uma jogada da chamada "ala ideológica" para derrubar o ministro da Secretaria de Governo, próximo de políticos do Centrão.
Para o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o embate entre os ministros, ao invés de abrir uma nova crise, revela uma disputa interna entre os ministros do governo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
"Acho que talvez, mais do que abrir, revelou que há uma disputa e que essa disputa já vinha sendo travada entre os militares - talvez por uma postura até pragmática que eles possam ter com relação a essa questão ambiental – e o Salles, que tem uma clara opção por uma devastação aberta, pela lógica de destruição, apesar de todos os custos que isso coloca para o Brasil em várias frentes. Então o que eu acredito é que esse episódio revelou que esse racha já existia", afirma o cientista político Cláudio Couto em entrevista à Sputnik Brasil.
Couto acredita que a atitude de Salles de "chutar o pau da barraca" indo a público agrava essa situação que foi revelada, mesmo que o ministro já tenha se desculpado pelo episódio. Segundo o professor Couto, a tendência é que o governo tenha "idas e voltas" entre o lado dos militares, de Ramos, e a chamada "ala ideológica", de Salles.
"Existe uma tendência de haver idas e voltas contínuas até o fim do governo entre as duas alas. Até pela proximidade do Salles com os filhos do presidente, da postura ideológica que eles assumem e, portanto, deles terem essa agenda e o presidente se guiar muito pela questão familiar, acho que eles vão permanecer fortes por muito tempo. Claro que do ponto de vista objetivo, de poder organizacional, os militares têm muito mais", aponta.
Para professor da FGV essa situação coloca o presidente Bolsonaro diante de um dilema, entre ceder ao "poder real" dos militares e operar pensando nos interesses dos seus filhos e de sua família. Couto lembra que a ideologia dos filhos é também a de Bolsonaro.
"O presidente é alguém que tem uma convicção ideológica muito forte, ainda que talvez não muito sistemática. E aí, consequentemente, ele fica balançando para os dois lados. Acho muito difícil que um dos lados saia vencedor, acho que a tendência maior é que essa tensão permaneça durante todo o governo", avalia.
O xadrez da permanência de Salles como ministro
Salles tem estado sob fogo cruzado desde a declaração feita durante reunião ministerial em abril deste ano, revelada após ação do Supremo Tribunal Federal (STF), quando o ministro afirmou que o governo deveria aproveitar a pandemia para "passar a boiada" em relação aos temas da legislação ambiental.
Desde então, com recordes de desmatamento e incêndios na Amazônia e no Pantanal, a pressão sobre o ministro aumentou ainda mais, apesar da proteção do governo. Para Cláudio Couto, o episódio com o ministro Ramos pode contribuir para a queda do ministro do Meio Ambiente, mas o jogo político em torno da pasta é complexo.
"Acho que só isso não é suficiente, mas acho que isso, se somando a outros fatores, pode sim acarretar essa situação [a saída de Salles do governo]. Sobretudo, porque existe uma pressão muito grande da sociedade em relação a esse ministro, e mais do que isso, ele pode ter cometido um crime quando sinalizou que queria se aproveitar da desatenção da sociedade, por conta da pandemia, com a questão ambiental, e aí acho que ele pode ter consequências ruins decorrentes disso", afirma.
Couto recorda que Bolsonaro "não tem nenhum tipo de hesitação em fritar seus aliados", lembrando de ex-ministros que foram alvos do presidente, como Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e o general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo.
O caso mais recente é do general Eduardo Pazuello, o terceiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, que virou alvo do presidente após Bolsonaro desautorizar o ministro no anúncio da compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, fabricada pela chinesa Sinovac. O cientista político Cláudio Couto, porém, ressalta as diferenças que devem ser apontadas entre o caso do ministro Salles e a situação mais recente com Pazuello.
"É diferente no sentido de que Salles claramente está cometendo um tipo de política que acaba tornando o Brasil alvo da crítica internacional, de boicote econômico, tem consequências muito graves. Pazuello, apesar de a Saúde ser uma área muito séria, não produz esse mesmo tipo de consequência e aí, se curvando às vontades do presidente, ele sobrevive", conclui.