O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, afirmou em videoconferência na última sexta-feira (23) que será preciso que a Justiça avalie os critérios a serem adotados para a vacinação contra o novo coronavírus, e que o STF deverá decidir sobre temas como liberdade individual e requisitos para a imunização.
"Podem escrever: haverá uma judicialização, que eu acho que é necessária, que é essa questão da vacinação. Não só a liberdade individual, como também os pré-requisitos para se adotar uma vacina", afirmou Fux, segundo o portal G1.
Lewandowski decide que vacinação obrigatória contra COVID-19 será analisada pelo plenário do STFhttps://t.co/sYBWgl6AXH
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 23, 2020
O presidente Bolsonaro, por sua vez, discorda do ministro do STF e, em conversa com um grupo de apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (26), declarou que não cabe à Justiça decidir se alguém será ou não obrigado a tomar a vacina.
"Hoje [segunda-feira, 26] vou estar com o ministro [Eduardo] Pazuello, da Saúde, para tratar desse assunto, porque temos uma jornada pela frente, onde parece que foi judicializada essa questão. E eu entendo que isso não é uma questão de Justiça, isso é uma questão de saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar vacina. Não existe isso daí", disse Bolsonaro a seus seguidores.
Nas últimas semanas, o tema da vacinação contra a COVID-19 se transformou em uma grande polêmica entre o presidente e seus opositores. Bolsonaro insiste na tese de que Estado e governo não podem compelir ninguém a se vacinar. Por sua vez, médicos e cientistas, em sua maioria, recomendam a obrigatoriedade da vacina contra a COVID-19, diante das proporções que a doença tomou no Brasil e no mundo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o advogado José Luiz Souza de Moraes, professor de Direito Constitucional e Internacional da Universidade Paulista (UNIP), assinala que "o STF não pode decidir diretamente sobre a obrigatoriedade ou não da vacina, mas que certamente será compelido a falar sobre a competência dos entes federados para resolver a respeito da vacinação, tanto de maneira estadual quanto nacional".
De acordo com especialista em Direito Constitucional, há um problema muito complexo no Brasil em relação às competências na área da saúde. Ele lembra que, logo no início da epidemia, o STF já se manifestou a respeito dessa questão, falando que a competência da saúde, para algumas matérias, é concorrente, podendo ser exercida pela União, pelos estados e, inclusive, pelos municípios.
"Todos os entes federados podem ter um papel decisivo nas questões da saúde pública", comenta.
Segundo José Luiz, em âmbito regional, quem define a obrigatoriedade de vacinação é o poder de polícia sanitário do estado. No caso de vacinações de abrangência nacional, quem define é o Ministério da Saúde. No entanto, na avaliação do especialista, isso não impede que os estados definam que uma determinada vacina é obrigatória em sua região.
"Há poucos anos houve um grande surto de febre amarela em São Paulo e o secretário de Saúde da época determinou a obrigatoriedade da vacinação contra a doença, e ninguém entendeu que essa determinação fosse ilegal. Um estado então pode, pelo menos em interesses regionais, determinar a obrigatoriedade de sua vacinação", comenta.
Porém, o jurista entende que, para a COVID-19, a vacinação não acabará sendo obrigatória, e nem poderá ser. "Primeiro, não haverá a quantidade necessária para a vacinação de toda a população brasileira. Isso é uma ilusão. O que ocorrerá será uma escolha de uma população mais vulnerável ao vírus. Além disso, todas as vacinas que estão sendo desenvolvidas tiveram seus prazos de testagem muito abreviados, o que aumenta consideravelmente o risco", opina o advogado.
Para o professor de Direito Constitucional, é preciso muita cautela na hora de decidir sobre a imposição de uma vacina obrigatória. "Conforme estabelece um dos princípios gerais do direito, o da precaução, não se deve tornar obrigatória a vacinação de um imunizante que ainda está em fase de testagem. É necessário avaliar qual é a relação risco/benefício. É possível que ocorra a judicialização, mas creio que o STF vai apontar o governo federal, o Ministério da Saúde e a Anvisa como os órgãos competentes para verificar a segurança dessas vacinas", sentencia.
De acordo com José Luiz, a intervenção do STF nesse caso não seria caracterizada como interferência, já que a Assembleia Constituinte de 1988 determinou que cabe ao Supremo a última palavra sobre a constitucionalidade das normas.
"Todos os demais poderes têm obrigação de cumprir as determinações do STF, não por seus ministros, mas pelo que ele significa em termos constitucionais. O que é decidido de forma vinculante e final pelo STF deve ser respeitado pelos demais poderes" conclui.