Nesta quinta-feira (29), Bolsonaro, sem mencionar diretamente o tucano, voltou a afirmar que o governo federal não pagará pela vacina CoronaVac, que está sendo produzida pelo laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan, de São Paulo.
"Ninguém vai tomar a tua vacina na marra não, tá ok? Procura outro. E eu que sou o governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar tua vacina também, não, tá ok? Procura outro para pagar tua vacina aí", disse o presidente em transmissão ao vivo pelas redes sociais.
O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, cita conceito do sociólogo alemão Max Weber para explicar que, no "embate político" entre Bolsonaro e Doria, "a história e os resultados julgarão" os seus atos na crise do coronavírus.
"O que Weber chama ética da sociologia: cada decisão polícia e ação traz uma consequência, e essa consequência será julgada à luz de sua eficiência. Tanto o governador João Doria como o presidente Jair Bolsonaro serão julgados pelos resultados de suas escolhas e ações", disse o especialista.
Bolsonaro e o flerte com 'negacionismo'
Para o cientista político, o ponto de ruptura entre Doria e Bolsonaro, que foram aliados na campanha de 2018, mas se afastaram a partir de 2019, foi justamente a pandemia. Segundo ele, os dois "optaram por discursos e posturas diferentes".
"Na maioria das vezes, Bolsonaro acabou flertando com o negacionismo, com posturas anticientíficas, com desprezo pela pandemia. Ao passo que o governador montou um gabinete de crise, tem dado entrevistas semanais, apontado os planos que existem no estado e lutado para que o Instituto Butantan possa entregar aos paulistas e aos brasileiros uma vacina segura e eficaz", afirmou Prando.
No dia 20 de outubro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou acordo para a compra de 46 milhões de doses da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês em parceria com o Butantan, que tem como fiador o governador de São Paulo.
No dia seguinte, porém, Bolsonaro afirmou que o protocolo para compra do imunizante seria cancelado. Por meio das redes sociais, ele disse que "o povo brasileiro não será cobaia de ninguém", e "não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem".
Desentendimento do governo em relação à CoronaVac, produzida pela China, é "polêmica que só atrapalha" vacina que tem mostrado bons resultados, disse virologista à Sputnik Brasilhttps://t.co/Gp6MC2eQiN
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 21, 2020
'Polarização da vacina'
Prando critica o que chama de "polarização da vacina" e diz que "não podemos nos tornar reféns de uma disputa política".
"A vacina é uma questão de ordem sanitária, é um imperativo, urgente, não deveria ser politizada. As questões relacionadas à vacina devem ser estritamente científicas, deve ter o aval dos cientistas, da comunidade médica", ponderou o professor.
Prando ressalta que tanto Doria como Bolsonaro tem pretensões eleitorais no futuro: o primeiro, de assumir a presidência, o segundo, de se reeleger. O cientista político diz ainda que Doria demonstrou interesse em se lançar candidato a presidente "desde o dia em que foi eleito prefeito de São Paulo".
'Briga que deve ser levada a sério'
"É uma briga que deve ser levada a sério sim, mais a sério do que qualquer outro tema até então, porque o resultado dessa disputa política vai recair diretamente sobre a população. A vacina é fundamental, seja a do Butantan, seja a de Oxford , que o governo já assinou um termo de parceria e colocou dinheiro na pesquisa", disse o analista.
Nesta sexta-feira (30), Bolsonaro afirmou que a pandemia "está acabando" e Doria quer se aproveitar da situação.
"Está acabando a pandemia, acho que ele quer vacinar o pessoal na marra rapidinho, porque vai acabar e ele fala: 'acabou por causa da minha vacina'. Tá ok? O que está acabando é o governo dele, com toda certeza", disse o presidente, segundo o jornal O Globo.
Reflexos eleitorais
Prando diz ainda que a chegada de uma vacina pode trazer bons resultados eleitorais e a disputa entre Bolsonaro e Doria é "prévia" da campanha presidencial de 2022.
Em relação às eleições municipais, o cientista político afirma que Bolsonaro, por ter saído do PSL e não estar filiado a nenhum partido, acabou se afastando da disputa. Além disso, o presidente "não quer seu nome associado a candidaturas derrotadas".
Nas situações em que há uma associação entre um candidato e Bolsonaro mais evidente, como no caso de Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo, Prando avalia que essa ligação "acabou tendo uma imagem muito mais negativa do que positiva".
Em relação a São Paulo, o cientista político acredita que isso se deve à diminuição dos recursos destinados ao estado, ao embate sobre a vacina e à briga com o governador.
"O presidente não queria colher derrotas, se afastou, e aqueles que se associaram têm tido dificuldades, pelo menos nesse momento, de capitalizar e de ter uma transferência de votos", disse Rodrigo Prando.