Amanda Correia Martins, mestra em Relações Internacionais pela Universidade de Northampton (Reino Unido), vive no Porto há três anos, onde conclui o doutorado na sua área pela Universidade Nova de Lisboa. A carioca vê com preocupação uma possível reeleição de Trump, tanto para o Brasil quanto para a Europa. Mesmo que Biden ganhe nas urnas, o atual presidente norte-americano pode recorrer à Suprema Corte, movimento que já ameaçou fazer para barrar a votação feita pelo correio.
"A possibilidade de Trump ser reeleito é grave para o mundo, porque os Estados Unidos se dizem a maior democracia do mundo. Governando, Trump é um espelho para várias barbaridades. Ele dissemina racismo, xenofobia e classismo enormes. Quando há um líder de Estado corroborando atitudes que deveriam ser absolutamente rechaçadas, banidas, isso é muito grave. Para quem pensa como ele, vê um aliado para continuar agindo da mesma forma, inclusive no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro é notoriamente um bajulador que se espelha em Trump para qualquer política de Estado", disse Amanda à Sputnik Brasil.
Advogada brasileira acredita que reeleição de Trump pode amplificar xenofobia em Portugal
A especialista exemplifica com os comportamentos similares de ambos os presidentes diante da pandemia de COVID-19. Segundo ela, ao minimizar os efeitos do novo coronavírus, que já matou mais de 160 mil brasileiros, Bolsonaro imitou o posicionamento negacionista de Trump, assim como na recomendação do uso da cloroquina, remédio cuja eficiência no combate à doença não foi assegurada por estudos científicos.
"É grave para a saúde pública. Com a pandemia de COVID-19, vê-se o quão irresponsável Trump foi, e o mau exemplo que ele está sendo para quem o segue. Mais uma vez, o Brasil é um enorme exemplo disso. Para Europa, penso que sua reeleição seria comprometedora no sentido de dar voz a prepotência, arrogância e superioridade pregadas por regimes de extrema-direita. Isso enfatiza, corrobora e dissemina exemplos de uma supremacia branca, masculina e voltada para lucros e negócios apenas."
A advogada Ana Beatriz Chabloz, que mora em Lisboa há dois anos, tem preocupações similares às de Amanda com relação a uma possível reeleição de Trump, principalmente no que diz respeito a questões de imigração e de gênero. Prestes a concluir o mestrado em Direito do Trabalho e das Empresas no ISCTE, Ana Beatriz viu as pichações xenófobas e racistas nas paredes externas da universidade onde estuda na última semana e teme que uma nova vitória do candidato republicano potencialize vozes mais extremistas na Europa, mesmo em um país como Portugal, que se pretende neutro.
"Como imigrante brasileira, sabendo da crescente onda de casos de xenofobia, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa, acredito que, se Trump vencer, a tendência é que essa onda se fortaleça, pela própria natureza do discurso dele. Tem um tempo que venho me dedicando a estudar mais sobre essa questão da imigração, estereótipos de gênero e os respectivos impactos no mundo laboral. Acredito que este é o momento ideal de levantarmos essas questões, principalmente por ver que os portugueses possuem uma postura de se considerarem 'neutros' nestas questões, como se aqui não fosse palco de atos racistas e xenófobos", pondera Ana Beatriz.
O empresário carioca Eduardo Soares, que vive em Portugal há seis anos, levanta possíveis consequências políticas, econômicas e ambientais caso Biden perca as eleições nas urnas ou na Suprema Corte, em caso de uma eventual judicialização do processo eleitoral, conforme já ameaçou Trump ao anunciar que pediria a recontagem de votos em Wisconsin.
"Como brasileiro, acho que a reeleição de Trump dá força ao movimento político que vigora no Brasil. Não necessariamente isso se reverterá em bônus econômico para o país, uma vez que o governo Trump tem como uma de suas bases um feroz protecionismo. Trump reforça os movimentos nacionalistas, contrários à unidade do bloco nos países europeus. Além disso, enfraquece os acordos estabelecidos no que tange ao combate à preservação ambiental, assim como oferece a possibilidade para China e Rússia ampliarem ainda mais sua influência política e econômica no continente", acredita Soares.
Já o empresário carioca Marcelo Marotta, que tem uma imobiliária em Lisboa, disse à Sputnik Brasil ser favorável à reeleição de Trump, devido não somente ao seu alinhamento com Bolsonaro, mas também por enxergar em Biden interesses escusos na Floresta Amazônica.
"Eu, particularmente, torço por Trump. Sinceramente, prefiro a reeleição de Trump e de Bolsonaro do que a esquerda voltar ao poder. Sou completamente contra a esquerda no Brasil e, consequentemente, nos Estados Unidos. Li uma entrevista recente de Biden com uma ameaça velada ao Brasil que, se não cuidasse direito da Amazônia, arrumariam outros países que cuidassem melhor. O fato de Trump e Bolsonaro terem uma boa relação também me anima. Prefiro muito mais o Brasil alinhado com os Estados Unidos do que com a China", compara Marotta.
Analista política diz que indústria petrolífera do Brasil sofreria com vitória de Biden
A analista política Ossanda Liber, especialista em Estados Unidos, joga luz sobre possíveis consequências políticas para o mundo e, em especial para o Brasil, em caso de vitória de Joe Biden. Ela destaca que o candidato democrata terá como prioridade a reversão das políticas ambientais, como a saída do Acordo de Paris sobre o Clima, formalizada pelo governo norte-americano nesta quarta-feira (4).
"Para posicionar os Estados Unidos como o principal motor da preservação do planeta, Biden está disposto a iniciar o processo de transição da indústria do petróleo para energias renováveis com a maior brevidade possível, que causará um impacto desastroso à indústria petrolífera mundial, já bastante fragilizada pelo impacto negativo da pandemia no consumo de petróleo e gás. O Brasil, à semelhança dos restantes países cuja economia depende do petróleo, sofreria diretamente a consequência da nomeação de Biden como presidente do país que é o maior consumidor de petróleo do mundo", analisou a comentarista política Ossanda Liber, a pedido da Sputnik Brasil.
Em contrapartida, ela acredita que, se eleito, Biden poderia reatar a relação dos Estados Unidos com a Organização Mundial da Saúde (OMS), proporcionando um contrapeso à influência da China na organização, com benefícios para os países menos influentes. Caso Trump seja reeleito, Ossanda prevê que ele continuará sua política de estímulo de acordos bilaterais em detrimento dos tratados globais, o que poderia impactar o Brasil devido ao alinhamento político com Bolsonaro.
"Em 2020, os executivos dirigidos por Jair Bolsonaro e Donald Trump iniciaram as discussões com vista à assinatura de um pacote bilateral que englobaria os interesses comerciais, militares, científico entre outros, dos dois países. Esta possível parceria entre os dois países só é concebível pelo fato de os dois presidentes seguirem a mesma política conservadora e virada para os interesses dos seus respectivos países", opina.
Ossanda, que mora em Portugal há seis anos, lembra que o país europeu foi uma das primeiras nações a reconhecer os Estados Unidos e, desde então, as relações bilaterais entre os dois países nunca foram interrompidas, apesar de fazer parte da União Europeia:
"Os vários acordos bilaterais entre Portugal e os EUA sofrem as limitações inerentes à sua condição de membro da União, mas não têm sido postos em causa pelos vários governos americanos."
Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, Marcelo Alves é bem menos otimista do que a analista política. Natural de Niterói, ele mora há três anos em Lisboa, onde cursa o doutorado na mesma instituição em que fez o mestrado. Segundo Alves, nenhum dos dois candidatos trará bons frutos ao Brasil ou à União Europeia. No entanto, ele acredita que uma possível eleição de Biden pode ser menos nociva. O especialista em comunicação chama a atenção para o fato de Trump calcar sua política na desinformação e em fake news.
"A sensação que tenho desta eleição americana é que a gente torce pelo mal menor. Longe de mim imaginar que a vitória de Biden seja o mundo ideal para o Brasil. Crer em salvadores da pátria é uma constante ruim entre nós brasileiros. Mas, ter mais quatro anos de Trump na Casa Branca comandando uma das maiores economias do planeta, com impacto tanto na União Europeia quanto nos países sul-americanos, significa renovar um acordo com o que há de mais nefasto que temos visto na política ao redor do mundo. Trump é o exemplo mais bem-acabado de um populismo perverso calcado em distorção de fatos, mentiras, fake news e em uma disseminação de caos que costumam ser criados por líderes que se veem como autocráticos e senhores de uma razão de um mundo fantasmagórico", disse Alves à Sputnik Brasil.