O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quinta-feira (5) a pesquisa "Contas de Ecossistemas: Espécies ameaçadas de extinção", segundo a qual a Mata Atlântica é o bioma em que a fauna e a flora estão mais ameaçadas de extinção no Brasil. O levantamento utilizou como base as listas de espécies nacionais oficiais de 2014 e as avaliações sobre o seu estado de conservação, publicadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Centro Nacional de Conservação da Flora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (CNCFlora/JBRJ), e indica que correm risco de extinção 25% das espécies analisadas no bioma que se espalha por 17 estados brasileiros e abrange quatro regiões do país.
Fragmentação do bioma
Para Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da ONG SOS Mata Atlântica, esse tema mostra duas coisas, primeiro, que "o governo não é um governo responsável", pois suas ações mais recentes seguem em um direção que prejudica ainda mais a preservação da biodiversidade. Em segundo lugar, o levantamento mostra o que ele considera óbvio, pois, quando não existe "habitat para o animal, seja terrestre, seja aquático, há perda de biodiversidade".
O ambientalista afirma que o fato de a Mata Atlântica ser extremamente fragmentada traz um grande problema, pois não existem mais os corredores que fazem as conexões das áreas preservadas, o que leva à redução da biodiversidade.
"Isso gera o que se chama de efeito de borda, quando toda a pressão decorrente da ação humana que existe em torno de um fragmento de floresta causa grande impacto no bioma, e também o que se conhece como erosão genética, que é muito mais grave, pois as espécies se reproduzem entre elas. Como não há conexão com outros fragmentos de floresta, isso reduz a variabilidade genética e provoca consanguinidade entre os animais", avalia.
De acordo com o IBGE, a pesquisa analisou 4.617 espécies da flora e 12.262 espécies da fauna, em todos os biomas, dentre as mais de 166 mil para as quais existem informações sobre o estado de conservação. Entre as espécies avaliadas no estudo, aproximadamente 20%, ou seja 3.299, dentre as quais 1.989 compreendem apenas a Mata Atlântica, estão ameaçadas de extinção. Pelo menos dez espécies de animais já estão extintas.
Citam-se 10 espécies de animais extintas, entre elas a Arara Azul pequena, além de espécies de tubarões, anfíbios e aves, diz o gerente de recursos naturais e estudos ambientais do IBGE, Leonardo Lima Bergamini. Leia: https://t.co/ADUo9BiW54 pic.twitter.com/MpJyvaVLMk
— IBGE Comunica (@ibgecomunica) November 6, 2020
Segundo Mario Mantovani, "a Mata Atlântica está praticamente na lista da aniquilação, e não só da fauna e da flora, mas também da civilização que não soube recuperar esses espaços. Existem algumas iniciativas como os planos municipais de Mata Atlântica, como a aplicação da Lei da Mata Atlântica, mas ainda há muito em que avançar".
Atuação dos governos
O diretor da SOS Mata Atlântica considera que, do ponto de vista federal, há uma péssima atuação em relação ao bioma.
"O ministro Ricardo Salles tentou, com uma canetada, colocar a Lei da Mata Atlântica como refém do Código Florestal ruralista, mas não conseguiu, pois houve reação da sociedade, dos Ministérios Públicos estaduais e federais, dos próprios governos estaduais que não aceitaram. Por isso vimos aquela cena patética da reunião quando o ministro fala em 'passar a boiada'", afirma.
Para Mantovani, naquele momento ficou bem claro o descompromisso do governo federal, que diminuiu as fiscalizações de IBAMA e ICMbio, emitindo um claro sinal de que pode acontecer qualquer coisa. "Os dados do atlas do Consórcio Mata Atlântica deste ano, se comparados com levantamentos realizados em outros anos, demonstraram que a Mata Atlântica sofreu o impacto da falta de governo", opina.
O ambientalista, no entanto, elogiou os Executivos estaduais e municipais. "Os governos estaduais têm um compromisso com a meta do desmatamento zero e isso vem dando certo por causa da atuação dos conselhos estaduais de meio ambiente, já que em Brasília o Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] morreu, temos essa atuação no âmbito estadual. E nos municípios também há um boa notícia, com os planos municipais de Mata Atlântica, para fazer as conexões necessárias e evitar o isolamento e a perda de biodiversidade", assinala.
Atenção internacional
A Mata Atlântica não recebe a mesma atenção da mídia e da sociedade internacional, como ocorre com outros biomas como a Amazônia e o Pantanal, por exemplo. O diretor da ONG considera que isso é um reflexo do fato de as pessoas que estão fora do Brasil imaginarem o país como uma imensa Amazônia, e não conseguirem separar o que é Mata Atlântica, o que é Pantanal, além de relacionarem muito a floresta com a questão indígena, de uma forma até bastante idealizada.
Para Mantovani, é um dever do governo, e da sociedade no Brasil, mostrar que a Mata Atlântica é um dos biomas de maior biodiversidade do mundo e que, mesmo com a redução severa que sofreu, de quase 90% de sua área original, ainda existem "ilhas" de enorme biodiversidade.
"A mídia internacional não consegue diferenciar, pois tudo se dilui em uma 'Grande Amazônia'. E não só a mídia internacional, mas o próprio governo não dá esse exemplo, não consegue contar essa história. Por isso é importante o papel das organizações não governamentais, que levam essas informações para a sociedade e conseguem gerar uma grande repercussão, principalmente pelo fato de saber que esse bioma foi reduzido para apenas 10% de sua área original", comenta.
Histórico de ocupação
Segundo o gerente de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do IBGE e coordenador técnico da pesquisa, Leonardo Bergamini, o risco de extinção das espécies na Mata Atlântica reflete um processo demorado, que já vem acontecendo há muito tempo.
"Existe um tempo de resposta entre os impactos e as ameaças, até isso levar a extinção. Como a Mata Atlântica está no litoral, é o bioma que foi ocupado primeiro, e a grande proporção de espécies ameaçadas reflete esse processo de ocupação antigo, onde houve perda de grandes porções da área natural", disse Bergamini em entrevista ao jornal Extra.
Mantovani, por sua vez, destaca que a Mata Atlântica foi por onde começaram todos os ciclos econômicos do Brasil, desde os ciclos da cana e do café, até o que ele chama de "atual ciclo perverso da expansão urbana". Além disso, a maior parte da população brasileira vive no entorno da Mata Atlântica, ou do que sobrou dela, que também é o bioma onde estão situadas as maiores regiões metropolitanas do país.
"As regiões metropolitanas sofrem com isso, na questão do clima, com cada vez mais enchentes, deslizamentos de terra e etc., e também com a questão do aquecimento e do abastecimento de água, pois a Mata Atlântica é produtora de água. Sem a floresta teremos crises sucessivas de abastecimento, que vêm se tornando cada vez mais comuns", comenta.
Para o ambientalista, falta visão e entendimento, principalmente por parte do governo federal, que precisa compreender a importância da ciência e, consequentemente, dos estudos que mostram os impactos da destruição da Mata Atlântica, que é o grande patrimônio natural do país e não pode ser desprezado, para que possa ser transformado em benefício para toda a sociedade.
Mantovani acredita que a sociedade deve participar e estar cada vez mais atenta, e que há sinais disso.
"De acordo com as pesquisas, 90% da população brasileira tem interesse nas questões ambientais. O governo federal é que não consegue perceber isso. Mas existe a oportunidade de os governos estaduais e municipais incorporarem os temas ambientais em suas agendas políticas, e estamos vendo isso crescer a cada dia. Esta é a boa notícia: não dependemos mais de governo federal para fazer uma boa gestão ambiental, tanto no nível local, como no subnacional com os estados", conclui Mantovani.