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Analista questiona benefícios de aproximação ideológica de Brasil com EUA sobre rede 5G

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Após o Brasil apoiar a iniciativa dos EUA que restringe o acesso de empresas da China para implantar a rede 5G, a Sputnik Brasil falou com um especialista para saber se, com as projeções de mudança na presidência americana, tal aliança é oportuna.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que o governo brasileiro apoia a iniciativa do governo dos Estados Unidos de criar o programa "Clean Network", que restringe o acesso de empresas de tecnologia da China para a implantação da rede de telefonia e tecnologia 5G.

Além disso, o governo brasileiro informou que os EUA contam com o apoio de países da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O foco ou a disputa em torno da rede 5G reside em questões sensíveis como proteção de dados, segurança nacional e espionagem, alegadas por todas as partes envolvidas. 

Para entender melhor as consequências da decisão do governo brasileiro, em especial no momento em que, segundo as projeções dos meios de comunicação dos Estados Unidos, haverá uma mudança significativa no governo norte-americano por conta das eleições presidenciais, a Sputnik Brasil conversou com Marcus Vinicius Freitas, professor-visitante de Direito Internacional Público e de Relações Internacionais da Universidade de Relações Exteriores da China, sediada em Pequim.

Ao aderir ao programa "Clean Network" no apagar das luzes do governo Donald Trump, o Brasil corre sério risco de voltar a se indispor com o governo da China. Na opinião de Marcus Vinicius, o governo Bolsonaro tem buscado fortalecer sua aproximação com Washington, mas tal ação não vem trazendo os resultados econômicos esperados. O especialista avalia que isso é um grande problema, pois o Brasil parece entender que uma parceria tem que necessariamente prejudicar a outra, e trata a China - seu maior parceiro econômico - apenas como cliente, não como parceiro.

"Fala-se muito da amizade entre Bolsonaro e Trump, mas o resultado é que não vemos na relação entre Brasil e EUA o mesmo impacto econômico que a relação comercial entre Brasil e China apresenta. Creio que muitas dessas movimentações não ajudam no relacionamento bilateral", comenta o professor. 

Em resposta às pressões dos EUA para que o Brasil impeça a China, através da empresa Huawei, de participar do leilão da rede 5G no Brasil, Bolsonaro anunciou recentemente que só tomará uma decisão efetiva em dezembro, um indicativo de que está aguardando a definição das eleições presidenciais dos EUA, apesar de a maior parte dos países já ter reconhecido a vitória de Joe Biden, projetada pelos veículos de imprensa norte-americanos.

Freitas acredita que a ideia de se alterar a data da licitação quanto à concessão pode ter alguma relação com o ciclo eleitoral norte-americano, mas ressalta que a outra opção de fornecedores da rede 5G, liderada pelas empresas europeias Ericsson e Nokia, também usa equipamentos de origem chinesa. Para o especialista, ao esperar uma aproximação com os EUA na questão da tecnologia do 5G, o Brasil deveria também analisar todos os benefícios que uma opção como essa geraria para o país.  

"O Brasil precisaria, de fato, ter elencados, e isso deveria ser de conhecimento da opinião pública, quais são os benefícios que efetivamente estaria retirando dessa estratégia de aproximação, no curto, médio e longo prazos. Uma aproximação meramente ideológica aparenta ser algo muito volátil e etéreo quando os cenários políticos mudam, tanto para o lado de lá, quanto para o lado de cá. A própria situação eleitoral atual dos EUA já evidencia uma modificação do próprio governo americano, que certamente terá linhas diferentes do que está acontecendo agora", destaca Marcus Vinicius.

Marcus Vinicius considera que, de fato, há uma guerra pelo domínio da tecnologia 5G. A China está atualmente um pouco estagnada em seu crescimento econômico e busca outros mercados e outras áreas para dar o salto qualitativo que necessita para aumentar a renda per capta de seus cidadãos. 

"A corrida pelo 5G deixa de ser somente na área tecnológica e passa a ser também pela ascendência econômica global, ou seja, há um processo em que a China poderá se tornar a maior economia do mundo. Por isso existe essa 'tiranização', para fazer com que essa possibilidade não ocorra, pois trata-se de um país que era, até 40 anos atrás, subdesenvolvido e está assumindo uma posição importante como potência global e, por isso, tem sido transformado na grande vilão internacional", opina o professor de Relações Internacionais.

Durante o anúncio da adesão do Brasil ao programa "Clean Network" nesta terça-feira (10), o secretário de negociações bilaterais e regionais nas Américas do Itamaraty, o embaixador Pedro Costa e Silva, ao lado do secretário para crescimento econômico, energia e meio ambiente do Departamento de Estados dos EUA, Keith Krach, fez a seguinte declaração:

"O Brasil apoia os princípios contidos na proposta do Clean Network feita pelos EUA, inclusive na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), destinados a promover, no contexto do 5G e outras novas tecnologias, um ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais".

​Sobre essa alegação de que o domínio da China sobre a tecnologia 5G representaria uma ameaça para o ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais, o especialista em Relações Internacionais considera que se trata de uma percepção exagerada. 

"Há alguns anos, o governo do ex-presidente norte-americano Barack Obama teve que pedir desculpas à presidente Dilma, à Petrobras, à chanceler Angela Merkel [chefe de governo da Alemanha] e outros líderes globais por causa da espionagem que os EUA estavam fazendo e compartilhando com o que eles chamam de ‘Cinco Olhos’, o grupo formado por Canadá, EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia. Então, esse discurso de que não há problemas se os EUA controlam a informação, mas que seria ruim se o mesmo fosse feito por outros [China], enfrenta certa resistência por ter um grau elevado de hipocrisia", opina. 

Freitas assinala que o governo chinês e a Huawei já afirmaram que essa alegação não deveria prosperar porque não é o objetivo do Estado chinês e nem da própria empresa fazer isso. O especialista considera que o mais importante seria que os próprios países estabelecessem seus mecanismos de verificação.

"É uma questão de se ter uma agência nacional de comunicação que periodicamente verifique se a informação está sendo utilizada de outras formas. É necessário fazer o dever de casa para supervisionar, o que deveria acontecer com todos os padrões, seja o americano, o chinês, o japonês ou qualquer outro. É importante que o país tenha controle de como a sua informação está sendo utilizada globalmente", ressalta o professor de relações internacionais. 

Segundo o site do Departamento de Estado dos EUA, "o Clean Network é um programa do governo Donald Trump para proteger ativos norte-americanos, incluindo a privacidade dos cidadãos e os dados sensíveis das empresas, de invasões agressivas de atores malignos como o Partido Comunista Chinês [...] o Clean Network aborda a antiga ameaça à privacidade dos dados, à segurança, aos direitos humanos e à colaboração baseada em princípios, apresentada por atores malignos e autoritários, e se baseia em padrões de confiança digital aceitos internacionalmente". 

Secretário de Estado [dos EUA] Mike Pompeo aborda o desenvolvimento da Clean Network [Rede Limpa] de 5G.

Para Marcus Vinicius, as alegações do governo americano evidenciam que vivemos um momento histórico de ascensão e declínio relativo à hegemonia das potências mundiais. A China, por um lado, está em ascensão, enquanto os EUA, por outro, estão em declínio.

"É normal que haja essa transição de potências em ascensão e declínio. Isso é histórico. A China está retomando uma posição histórica de grande economia global, mas não será e não terá a mesma vigilância militar que os EUA, porque os chineses não pretendem ser a 'polícia do mundo' e nem um país com uma vocação missionária de espalhar os seus valores e crenças pelo mundo", conclui o especialista.
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