Segundo a entidade regional Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), só nos dez primeiros dias de novembro, 20 hotéis fecharam no Porto. A crise se explica pelo baixo número de hóspedes que, de acordo com os dados consolidados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), teve queda de 52,2% em setembro em todo território português. O número de dormidas em estabelecimentos caiu ainda mais: -53,4% no geral, com taxa de -50,7% na região Norte e chegando a -71,8% na Área Metropolitana de Lisboa. Um duro golpe no setor, que chegou a responder por 14,6% do PIB português em 2018.
Na capital do país, o premiado hostel We Love F Tourists (WLFT), eleito o melhor do mundo para hóspedes mulheres em 2019, fechou as portas na segunda quinzena de outubro.
O português Pedro Oliveira, dono do estabelecimento, diz que o fechamento é provisório até pelo menos março. Ele, que contava com uma equipe de mais de 20 pessoas, entre elas sete brasileiros, teve que demitir a metade e, agora, aluga os 20 quartos mensalmente para tentar pagar as contas.
"Tenho o deadline ali pelo final de fevereiro, março, e, se por essa altura, com o final do inverno, início da primavera e Páscoa, não houver melhora da atividade econômica, vai ser impossível manter isso. Em vista das restrições na Europa toda, tenho certeza de que fiz a escolha certa. Mas a escolha certa nem sempre é uma escolha boa. A situação é muito delicada. Estamos a perder muito dinheiro todos os meses. Mantenho a estrutura de custos praticamente inalterada, porque tenho os funcionários com contrato de trabalho, continuo a pagar Segurança Social, uma série de despesas, compromissos bancários. Já foi difícil naqueles meses de março a maio, e agora vai ser muito mais. Tudo indica que seja por um período maior", lamenta Oliveira, em entrevista à Sputnik Brasil.
Ele conta que já havia fechado o hostel em março por dois meses em função das instruções do governo português, durante a primeira onda de COVID-19. Sem voos para Lisboa, foi um período de incerteza e de medo para Oliveira, mas também de esperança de que, no verão, as atividades turísticas fossem normalizadas, e o WLFT pudesse voltar a funcionar. Na reabertura, ele já percebeu que a procura por Lisboa caiu mesmo no verão, já que os turistas preferiram viajar para destinos rurais ou de praia em Portugal, a fim de cumprir o distanciamento social ao ar livre.
"O turismo urbano acabou por ser muito mais penalizado.Tivemos algum movimento, mas devido à baixa procura, os preços tiveram que ser mais baixos. Foi uma tragédia na verdade. Os meses de verão foram piores do que qualquer mês de inverno que já tive desde que abri o hostel há oito anos. Esse negócio vive muito daqueles meses de verão. Talvez, 50% da nossa faturação seja feita ali em julho, agosto e setembro. Se esses meses forem fracos, o ano inteiro fica comprometido. Quando vi que o verão estava mal, já esperava que o inverno só pudesse estar péssimo", ele explica.
Em relação às linhas de crédito oferecidas pelo governo às empresas turísticas, Oliveira diz que o apoio demora demasiadamente e não é suficiente. Segundo ele, até agora não foram pagas as ajudas financeiras referentes aos meses de julho, agosto e setembro. Mesmo assim, ele reconhece ter recebido o montante referente aos meses anteriores, quando o hostel fechou pela primeira vez em função da onda inicial de COVID-19
"Mas, se eu não tivesse capital próprio, não teria conseguido pagar os ordenados e teria funcionários meus a passar fome. Consegui adiantar isso e recebi mais tarde. Mas é uma gota no oceano o que o governo dá, porque paga parte dos salários. Agora é a mesma coisa. Anunciaram novos apoios, e vamos pedir tanto apoio para pagar os ordenados como linhas de crédito. Vou tentar agarrar tudo, mas sei que não é suficiente, apenas uma bombinha de oxigênio para respirar alguns dias. Se calhar, esse dinheiro só chega em fevereiro e, até lá, já tive que pagar muita coisa. E, se não pagar, fecho as portas", conclui Oliveira.
Oportunidade na crise: com fechamento de hostel, brasileiro vai trabalhar para TAP
O brasileiro Iago Nepomuceno era gerente do WLFT e teve que sair com o fechamento do hostel depois de trabalhar lá por dois anos. Mas não ficou muito tempo parado e conseguiu uma oportunidade na crise. Começou a trabalhar recentemente numa equipe de assistência ao consumidor da TAP. Também em crise, a companhia aérea criou a equipe para dar conta de todos vouchers, remarcações de voos e reclamações em função das restrições de viagem impostas pela pandemia do novo coronavírus.
"Quando soube que o hostel ia fechar, fiquei muito triste, porque é um impacto muito grande não só na comunidade brasileira, de imigrantes, mas na comunidade turística de uma forma geral. Quando você tem um dos melhores hostels do mundo fechando, porque nem ele está sendo capaz de captar clientes o suficiente, isso é um axioma da economia turística mundial. É uma perda grande não só para Lisboa, mas para toda a indústria da hospitalidade. Mas as coisas vão voltar a dar certo", acredita Nepomuceno.
A paulista Beatriz Nunes trabalhava com turismo corporativo desde que chegou a Lisboa, há 3 anos, mas a empresa não renovou seu contrato em julho, em meio à pandemia. Desde abril, estava em regime de layoff, ganhando dois terços do salário. Com um currículo repleto de experiências no setor, incluindo trabalho em agências de turismo, hotéis, aeroporto e na área de eventos, agora ela está à procura de uma nova oportunidade no mercado.
"Minha empresa ficou com 90% de quebra no faturamento. Estou com seguro desemprego, até porque tenho direito, por também ter cidadania portuguesa. Não tem emprego no turismo, está bem difícil. O verão foi bom, parecia que as coisas estavam se encaminhando para melhorar e aí chegou essa segunda onda da pandemia. Afeta, porque fiquei totalmente desorientada, sem chão. Foi tudo muito de repente para mim. A minha área é uma das mais afetadas. É triste. Não pode perder a esperança, mas agora não é o momento do turismo. Talvez seja o momento de procurar alternativas, de se reinventar, tentar ficar tranquila e esperar as coisas acontecerem, ou então, sair totalmente da área, porque o turismo ainda vai demorar um pouquinho", diz Beatriz à Sputnik Brasil.
Brasileiros estão entre 5 nacionalidades com maior queda de diárias em hotéis
Já a carioca Ana Cláudia Scheidt está em casa em regime de layoff, com redução salarial, desde que o hotel cinco estrelas em que trabalha, no Centro de Lisboa, fechou as portas no início deste mês. Gerente de Experiências do Cliente, ela está em Portugal há dez anos e trabalha no estabelecimento há sete. Ela conta que, no início da pandemia, em março, muitos funcionários também haviam entrado em layoff, até agosto, quando começaram uma retomada progressiva e gradual da carga horária. Até que veio a segunda onda.
"A ideia era voltar 100% até o fim do ano. Só que essa incerteza da pandemia é uma loucura mesmo! Parece que vivemos um filme de terror. Tudo muda o tempo todo, mas a previsão é reabrirmos em março. Estávamos quase sempre com o hotel cheio nos seus 147 quartos. Apesar de eu achar a minha área crucial para gestão estratégica do hotel e fidelização de clientes, não é uma função "indispensável" para o funcionamento. Por isso, tenho algum receio porque outras pessoas que estão efetivas também foram despedidas com a extinção do posto de trabalho", conta Ana Cláudia à Sputnik Brasil.
Eleito, no início deste mês, como melhor destino da Europa pelo quarto ano seguido, na edição 2020 dos World Travel Awards, Portugal vive a expectativa de que possa voltar a mostrar ao mundo a receita turística que ajudou o país a voltar a crescer. Mas, para isso, terá que contar com a ajuda dos viajantes brasileiros.
Se, por um lado os residentes no país europeu estão sofrendo com a crise de empregos no setor, por outro, há uma demanda reprimida no Brasil de turistas que deixaram de visitar Portugal devido às restrições impostas pelas autoridades na entrada de estrangeiros, tentando controlar a pandemia de coronavírus.
Por isso, os brasileiros estão entre as cinco nacionalidades que tiveram maior queda (-88%) no número de noites dormidas em estabelecimentos de alojamento turístico em Portugal no mês de setembro. As quedas só foram maiores para viajantes provenientes da Irlanda (-91,8%), China (-94,5%), do Canadá (-94,7%) e dos Estados Unidos (-95,5%), de acordo com dados do INE.