Depois de sofrer séculos de inundações, Veneza reteve o mar pela primeira vez em 1.200 anos em outubro, graças à ativação de suas tão esperadas barreiras contra inundações. Testadas com sucesso, isso significava que as enchentes de 2019, que causaram mais de US$ 1 bilhão de danos à cidade (R$ 5,7 bilhões), deveriam ser coisa do passado.
Nos dois meses desde sua introdução, o sistema de barreiras, conhecido como MOSE (Módulo Experimental Eletromecânico), foi ativado com sucesso cinco vezes, inclusive por um período de três dias na semana passada.
Mas na terça-feira (8), as barreiras não foram levantadas e a cidade inundou novamente, informou a rede de TV a cabo CNN.
A Praça de São Marcos, uma das partes mais baixas da cidade, foi particularmente atingida.
Claudio Vernier, proprietário do bar e sorveteria Al Todaro, e presidente da Associação Piazza San Marco, disse que foi "um evento dramático e inesperado e que pensávamos ter deixado para trás".
"Vivemos isso com muita raiva. É prejudicial econômica e moralmente e poderia ter sido evitado. Sabemos que o MOSE existe, sabemos que funciona e não foi usado", disse.
A Basílica de São Marcos, que data do século XI, sofreu "danos graves", segundo Carlo Alberto Tessarin, do Conselho dos Procuradores de São Marcos, que supervisiona a igreja.
Carlo disse que eles estavam em uma "situação terrível" e que a basílica "não pode suportar mais esta inundação contínua".
"Estamos debaixo d'água em uma extensão dramática, os danos são graves", contou.
A igreja ainda se recupera da inundação do ano passado, cuja água salgada corroeu os interiores revestidos de mármore. Mesmo depois que a inundação secou, o mármore absorveu o sal, que pode se espalhar até sete metros, degradando a pedra à medida que avança.
"A basílica é uma das obras de arte mais importantes do mundo e está sendo destruída", disse.
Fase experimental
Até dezembro de 2021, o MOSE está oficialmente em fase experimental e, como tal, fica sob a jurisdição do governo italiano.
Uma vez terminado, os controles serão entregues às autoridades venezianas, mas durante os próximos 12 meses, sempre que uma maré alta for prevista, elas deverão solicitar que as barreiras sejam ativadas.
As partes mais baixas da cidade, como a Praça de São Marcos, são construídas um pouco abaixo de um metro acima do nível médio da maré. Isso significa que elas começam a inundar quando as marés atingem apenas 90 centímetros acima da média. A cripta da basílica inunda a apenas 65 centímetros.
A inundação devastadora do ano passado atingiu 187 centímetros acima da média.
Quando as autoridades municipais assumirem o controle, as barreiras serão levantadas quando a maré atingir 110 centímetros acima da média, um nível que já vê 12% da cidade debaixo d'água.
Mas enquanto estiver em fase de teste, as barreiras serão ativadas somente quando a maré estiver prevista para 130 centímetros acima da média, altura em que quase metade de Veneza já está debaixo d'água.
Neste ponto, embora possa ser um ou dois centímetros nas partes mais altas da cidade, a Praça de São Marcos já está atingida.
Na terça-feira (8), o nível da maré atingiu 138 centímetros acima da média, bem acima do nível em que as barreiras devem ser acionadas.
Mas a previsão do tempo esperava apenas uma maré de 125 centímetros, apenas dois centímetros abaixo do nível em que as barreiras são automaticamente levantadas. Mas o sistema não foi ativado.
Como o tempo piorou, as autoridades municipais enviaram alertas aos residentes para estarem preparados para as inundações. As barreiras levam várias horas para serem levantadas e quando ficou claro quão alta seria a maré já era tarde demais para agir.
Apesar de mais um capítulo de inundações, que atrapalha o turismo além do prejuízo vindo pela COVID-19, Tessarin ainda é um crente no MOSE, no entanto.
"Confio 100% nisso, mas não vai parar a mudança climática nem resolver todos os problemas de Veneza. Esperávamos que isso [o evento do ano passado] não voltasse a acontecer, mas como o MOSE ainda não está finalizado, sabíamos que poderia acontecer. Os venezianos têm que esperar o melhor, mas preparar-se para o pior".