Em entrevista à Sputnik Brasil, a economista Anapaula Iacovino — especialista em agronegócio, professora da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) — falou sobre esse cenário, avaliando causas e apontando soluções para o curto e longo prazo quando se estuda o trinômio oferta, demanda e preço.
Anapaula disse que o agronegócio brasileiro "felizmente é bastante próspero. Essa é uma das melhores notícias que a gente tem sobre o Brasil. Quando a gente quer ouvir boa notícia, em geral, colocamos em uma estação de rádio ou TV que fala sobre agronegócios, que felizmente, do ponto de vista econômico, é positivo".
"O que temos no momento é a questão do crescimento da demanda mundial em um cenário de aumento da procura por alimentos no mercado interno. E isso desorganiza nossa oferta interna, porque parte da produção se volta para o mercado internacional, e daí nossos problemas de os preços serem pressionados para cima", explicou a especialista.
Segundo ela, o preço do dólar acaba pressionando os produtores nacionais a priorizar o mercado externo, pois "o mercado internacional continua aquecido, com grande demanda".
Com isso, Anapaula disse que é natural que os exportadores se voltem para o mercado internacional quando surge um negócio com um preço interessante, pois eles são empresários, visam o lucro. "Mas é preciso encontrar uma solução porque estamos falando de alimentos, e quando a demanda internacional aumenta e se exporta mais, uma hora vai faltar produto para o mercado interno, e com isso o preço vai subir por aqui".
A especialista avalia que a política deve ser mais inclusiva quando se fala de alimentos, não deve ser apenas uma questão de mercado, porque se trata de alta no preço dos alimentos e as consequências vão além do fator econômico.
Vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) falou à Sputnik Brasil sobre as perspectivas do Nordeste ser inserido no "boom" do agronegóciohttps://t.co/jMm6SVnuxH
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 27, 2020
"A renda mais limitada das famílias, como é o caso de grande parte da população brasileira, faz com que as pessoas tenham menos acesso à comida, ou seja, uma circunstância que do ponto de vista econômico é normal — exportar mais porque o lucro é maior — acaba trazendo consequências graves internas do ponto de vista social", declarou Anapaula.
"É preciso uma ação planejada entre política pública e empresas envolvidas, para que o abastecimento interno seja garantido. Essa política organizada pode evitar problemas de desabastecimento e aumento de preços no nosso país, sem que o segmento exportador sofra perdas", continuou.
Impactos do preço dos alimentos
Avaliando a questão da alta de preços dos alimentos no mercado interno, Anapaula disse que no curto prazo, a reação automática das famílias é a de substituição do produto. As famílias em geral tendem a substituir itens industrializados e alimentos in natura por outros que cumpram um papel similar, com um preço menor.
"O contexto nacional e internacional foi alterado com a pandemia do novo coronavírus e o que devemos agora perceber é se esse volume exportado continuar alto, é importante que os produtores se reorganizem para aumentar a oferta dos alimentos. Outro quesito é saber como o governo vai resolver o pagamento do auxílio emergencial, se ele vai continuar ou não, e como isso vai caber dentro do orçamento de 2021", ponderou Anapaula.
De acordo com ela, se os elementos que levaram a essa alta de preços persistirem será necessário que os produtores reorganizem seus processos produtivos no curto prazo para atender a demanda.
Já olhando para um período maior de tempo, a história do agronegócio no Brasil mostra que o país importava boa parte de seus alimentos. "Nós só conseguimos a autossuficiência depois da década de 1970, através de muita pesquisa, ampliação de nossas fronteiras agrícolas, que possibilitaram, por exemplo, safras recordes como a da soja. Com a pesquisa, a mecanização, a produção do campo subiu significativamente, e a produtividade maior levou a uma redução dos preços dos alimentos", disse a especialista.
"Nós sabemos que o consumo de alimentos vai aumentar significativamente, a FAO tem estudos sobre a oferta de alimentos, e o Brasil é um dos países que estão nesse mapa do organismo, como um dos grandes produtores. A demanda por alimentos vai crescer, mas se o país investir em formação de mão de obra e em tecnologia é possível atendê-la. O aumento da oferta advindo desse esforço evitará o impacto nos preços dos alimentos", concluiu Anapaula.