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Economista: governo brasileiro não sabe o que fazer com economia

© Folhapress / Pedro LadeiraJair Bolsonaro, presidente do Brasil, participa de lançamento do programa Voo Simples, no Palácio do Planalto, com seus ministros (arquivo)
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, participa de lançamento do programa Voo Simples, no Palácio do Planalto, com seus ministros (arquivo) - Sputnik Brasil
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O governo brasileiro aposta em concessões e privatizações apenas para dar uma resposta à crise, mas o que se percebe é "uma falta de horizonte sobre o que fazer com a economia brasileira", acredita economista ouvido pela Sputnik.

O governo brasileiro pretende arrecadar R$ 137,5 bilhões em investimentos contratados e quase R$ 3 bilhões em outorgas com uma série de concessões, privatizações e renovações. Se, em 2020, o executivo federal não conseguiu colocar em prática todos os projetos pensados para aumentar as receitas da União, em 2021, espera-se realizar 54 concessões, na área de infraestrutura, à iniciativa privada, sendo 23 aeroportos, 17 portos, três ferrovias e 11 lotes de rodovias.

De acordo com declarações dadas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, na última segunda-feira (14), esses investimentos, quando materializados, deverão gerar cerca de dois milhões de empregos, em um ano de muitas realizações para o setor. 

​Com a promessa de reequilibrar as contas, a administração do presidente Jair Bolsonaro apresenta um grande plano de vendas para o ano que vem. Além dessas mais de 50 concessões anunciadas pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas, o Ministério da Economia também prevê outras nove privatizações em 2021, inclusive de empresas como Correios e Eletrobras.

No atípico ano de 2020, o governo pretendia vender para o setor privado quatro grandes estatais, mas não conseguiu concretizar nenhuma transação, muito por conta da crise desencadeada pela pandemia da COVID-19. Agora, planeja para o ano que vem uma pauta ainda mais ambiciosa, apesar das muitas incertezas que ainda persistem sobre como estará o cenário econômico nacional em 2021.

Falta de horizonte para a economia brasileira​

Para o economista Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a experiência dos últimos dois anos indica que é preciso adotar uma postura crítica diante dos dados e números apresentados pelo atual governo, já que muitas das previsões feitas ao longo desse período acabaram não se confirmando. Levando em conta, no entanto, esses números, o especialista diz considerar "irrisório", do ponto de vista das finanças públicas, o valor que a administração federal pretende conseguir com outorgas nessa agenda.

Em entrevista à Sputnik Brasil, ele destaca que a maior parte do montante esperado diz respeito a investimentos gerados, contratados, a partir do processo de concessão. Porém, esses investimentos estão sujeitos a uma análise que leve em consideração a possibilidade de geração de fluxo de caixa. Mas, com as muitas dúvidas ainda existentes sobre o nível de demanda e de atividade econômica, em geral, que teremos nos próximos meses — inclusive, por falta de detalhamentos sobre o programa nacional de vacinação contra a COVID-19 —, fica muito complicado fazer especulações desse tipo.

"Então, a gente aprendeu, com concessões anteriores, que, quando você tem uma incerteza muito grande e uma frustração em relação à evolução do fluxo de caixa dessas concessões, você também frustra o cronograma de investimentos. Eu acho que o aeroporto de Viracopos é o exemplo mais simbólico disso, onde foi feito investimento esperando uma projeção de demanda, uma evolução de demanda, ela não veio e a continuidade da concessão foi posta em xeque", afirma o economista. 

​Em um cenário de baixa demanda, em que não é necessário "aumentar esse tipo de infraestrutura no curto prazo", não tem muito sentido, segundo Rocha, essa pressa do governo em realizar tantas concessões e privatizações, sobretudo com o risco de se vender esses ativos a um preço muito baixo, por conta da desvalorização ligada a uma menor expectativa de ganhos. 

Dessa forma, ele acredita que essas medidas se devem mais, em primeiro lugar, a um viés ideológico da atual gestão e, em segundo lugar, a "uma falta de horizonte sobre o que fazer com a economia brasileira". 

"Na verdade, o que todo mundo está percebendo é que a conjuntura econômica para 2021 é bem crítica. Você tem a questão sobre a continuidade do auxílio emergencial, você está vendo a taxa de desemprego disparar, você tem uma série de incertezas a respeito do comportamento da economia brasileira, e o governo acena com isso como uma resposta. Tentando demonstrar que o governo possui algum planejamento e que possui algum horizonte sobre o que fazer com a crise econômica brasileira", argumenta, apontando que esses planos deverão ter pouquíssimo impacto positivo para o país. 

​Além de ser questionável, dadas as inúmeras experiências negativas pelo mundo, a ideia de um suposto ganho de eficiência com a concessão de serviços públicos para a iniciativa privada, essa estratégia, neste momento, apresenta dois grandes riscos, de acordo com o professor. O primeiro, já mencionado, é o de vender esses ativos a um preço muito abaixo do seu real valor e o segundo diz respeito à possibilidade de atrair para esses processos fundos financeiros com pouca capacidade para gerenciar esses negócios.

"O fundo financeiro que comprou a massa falida da empresa que provocou o apagão no Amapá não tinha nenhuma experiência na gestão de ativos do setor elétrico. Comprou porque estava barato e você tinha uma expectativa de valorização naquele ativo. E, nisso, você atraiu gente para a administração e para gestão de ativos nesse setor que, simplesmente, não tinha a menor experiência em gestão e análise estratégica desse mercado. Aconteceu o que aconteceu", exemplificou o economista, citando o recente blecaute que atingiu o estado do Norte do Brasil por mais de 20 dias em novembro. 

Momento não é ideal

Guilherme Haluska, doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que é muito cedo para saber se o governo conseguirá levar a cabo seus planos de concessões e privatizações no ano que vem. Não apenas pelas dificuldades impostas pelo surto do novo coronavírus, que ainda podem perdurar, mas também por conta das possíveis resistências políticas no Congresso Nacional.

Também em declarações à Sputnik Brasil, o especialista avalia que o governo espera realmente, com essa agenda, obter uma nova fonte de receita para 2021, visando à redução da dívida pública, e também viabilizar a realização de investimentos na economia. Entretanto, segundo ele, projetos como esse sempre vêm acompanhados de riscos importantes a se considerar.

"A meu ver, o principal efeito adverso que decorre de conceder ativos públicos para o setor privado é que isso costuma vir acompanhado por uma elevação dos preços dos serviços prestados. Pois caso esses serviços fossem prestados pelo governo, isso poderia ser feito com a cobrança de tarifas mais módicas, enquanto as empresas privadas costumam exigir uma rentabilidade mais elevada para assumir esses projetos", afirma.

Além da questão dos preços, o economista cita que essa medida nem sempre surte os efeitos esperados pelas administrações públicas, que, caso continuem com seus orçamentos desequilibrados, nesse sentido, podem entrar em um ciclo sem fim de privatizações.

"É válido ressaltar também que esses investimentos poderiam ser realizados diretamente pelo próprio governo, embora, para isso, talvez, fosse necessário um abandono ou flexibilização da restrição imposta pelo teto de gastos — além de vontade política do governo para fazer esses investimentos. Além disso, alguns dos setores nos quais se planeja fazer essas concessões ou privatizações são considerados estratégicos, e, com isso, o governo deixaria de ter controle sobre o fornecimento de bens ou serviços que são essenciais para a economia, como é o caso da Eletrobras e do setor de energia elétrica." 

​Assim como Rocha, Haluska também chama a atenção para o fato de que, com a desaceleração econômica dos últimos meses e a desvalorização de ativos, é possível que essas empresas que o governo pretende negociar acabem sendo vendidas por um valor abaixo do seu potencial de geração de receitas. E, nesse caso, o momento não seria o ideal para esse tipo de atitude. 

"Existem, no momento, muitas dúvidas e incertezas quanto ao desempenho da economia no futuro próximo, pois não se sabe ao certo se haverá um agravamento ou uma melhora da situação da pandemia em si, se serão impostas novas restrições ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, restaurantes, entre outros, quando vai ocorrer a vacinação, se o governo vai elaborar algum programa social que substitua o auxílio emergencial, e se o teto de gastos será flexibilizado, ou em que extensão isso ocorreria. Em meio a todas essas indefinições, fica difícil elaborar projeções confiáveis sobre a demanda futura e, com isso, estabelecer um preço das empresas que se pretende privatizar."

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