Foi praticamente aos 45 minutos do segundo tempo. O Brasil tinha até o fim de dezembro para pagar pelo menos US$ 113,5 milhões (cerca de R$ 574,9 milhões) de uma dívida acumulada de US$ 390 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão) com a Organização das Nações Unidas (ONU) e escapar de uma punição e um vexame que seria histórico.
Na tarde desta quinta-feira (17), na última sessão parlamentar antes do recesso de fim de ano, os senadores e deputados aprovaram o projeto de lei que libera um crédito suplementar de cerca de R$ 3,3 bilhões para vários ministérios e para o pagamento de pendências com organismos internacionais.
Sem articulação política, a votação de ontem (16) terminou sem acordo. Partidos como Novo, Cidadania e PT divergiram em diversos pontos do texto. No fim do dia, barraram sua apreciação. Com isso, havia duas possibilidades em jogo: ou o Brasil pagava sua dívida, ou seria enquadrado na legislação da ONU, o que poderia ocasionar na perda do direito de voto brasileiro na entidade a partir de 1º de janeiro.
Segundo ela, "perder esse direito de voto seria algo inédito e muito negativo para o Brasil, tendo em vista que o Brasil é membro fundador da Organização das Nações Unidas. O tamanho da dívida e a contrapartida que ela traz diz muito sobre a preferência do atual Ministério das Relações Exteriores ao longo desta gestão do presidente Jair Bolsonaro".
"Por conta disso, a política externa do Brasil passou a acompanhar as decisões dos EUA, de Donald Trump, e reduziu suas contribuições junto às organizações internacionais. Consequentemente, perdemos o interesse na cooperação multilateral. Enquanto a postura endurecida dos EUA passa um recado à ONU, o Brasil tenta reinventar seu modelo de cooperação. O Itamaraty busca uma relação estreita com os países centrais do poder e da economia global", afirmou Beatriz Pontes.
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Beatriz entende que o Itamaraty nega suas origens ao ignorar o fortalecimento do Brasil dentro de diversas organizações multilaterais. Para ela, apesar do Itamaraty ter conseguido mobilizar congressistas para apoiar a PNL 29, "o desconforto político vai ser muito mais difícil de contornar".
Isso ocorre não apenas na Assembleia Geral, instância máxima de decisão, mas nos conselhos da ONU dos quais o devedor faz parte. No caso do Brasil, atingiria sua participação no Conselho Econômico e Social, que discute temas como desenvolvimento sustentável, energia e inovação.
"Era uma situação muito grave. A chance do vexame acontecer era real. Mas o que se espera do Ministério das Relações Exteriores é o respeito por uma das diretrizes mais antigas da política externa brasileira, que é o respeito à ONU. A questão é se vai prevalecer o respeito à ONU, ou o respeito aos EUA. Prevaleceu o respeito ao nosso interesse. Neste contexto, é importante nos atentarmos que a partir do ano que vem, Trump não será mais o presidente norte-americano", sustenta a especialista.
Com a imagem arranhada no exterior e cada vez mais pressionado na área ambiental, o Brasil se preparava para propor uma troca de votos com vários governos, não apenas na Assembleia Geral, mas em deliberações específicas dos outros colegiados. O Brasil é o único candidato da América Latina, mas precisa de pelo menos 129 votos (dois terços dos membros) para ser eleito.
Para Beatriz Pontes, "uma das principais propostas do Ernesto como ministro das Relações Exteriores era, segundo ele mesmo, terminar com a ideologia da política externa brasileira. Ele não conseguiu fazer isso. Pelo contrário, ele tornou nossa política externa ainda mais ideológica".
Apesar de ter conseguido aprovar o orçamento para pagar a ONU, o Brasil ficou muito perto de passar um "vexame histórico" no âmbito de suas relações internacionais, diz a pesquisadora.
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De acordo com Beatriz Pontes, "avaliando do ponto de vista da posição do Brasil no mundo de modo geral, o país se encolhe. O Brasil, que vinha sendo ativo nas organizações internacionais, líder em uma série de questões, sobretudo nas agendas internacionais, se reduz de uma forma nunca antes vista".
"A política externa do Brasil se encolhe desde o governo de Dilma Rousseff. Naquela época, problemas internos causaram diversos problemas diplomáticos para o Brasil no cenário exterior. No caso do Bolsonaro, isso acontece em razão de suas preferências políticas pessoais, como o alinhamento incondicional com os EUA. Foi uma gestão falha justamente em um momento em que o Itamaraty aparecia como protagonista na cena internacional. Deixamos de ser proativos e nos tornamos meros espectadores", concluiu a especialista.