Mais de 33 mil presidiários do estado de São Paulo foram beneficiados nesta terça-feira (22) com a medida, chamada de "saidinha de Natal". Os detentos devem retornar ao sistema prisional até o dia 5 de janeiro de 2021.
A advogada criminal Bruna Bevilacqua, em entrevista à Sputnik Brasil, explicou que a saída temporária está prevista na lei de execuções penais e nos Artigos 122 e 125. De acordo com ela, "esta ação não é, portanto, uma medida excepcional e também não está restrita apenas ao período de festas de final de ano".
"A medida é um direito dos apenados que cumprem pena de regime semiaberto e essa autorização é dada àqueles que preenchem os requisitos previstos na própria lei. Ou seja, é necessário que sejam preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos para que um apenado possa fazer jus a essa autorização de saída, seja ao longo do ano, seja para festas de final de ano", afirmou.
A advogada destacou que a saída temporária "se mostra em consonância com os próprios objetivos da lei de execuções penais que estão no Artigo 1º, e também com o sistema de progressão de pena, previsto no Código Penal".
As liberações temporárias de presos estavam proibidas desde março deste ano por conta da pandemia da COVID-19, o que chegou a gerar uma série de motins em prisões de São Paulo.
"Especialmente em um ano atípico como o de 2020, no qual já houve suspensão dos direitos dos apenados ao longo do ano, inclusive o direito de visitação desses pelos familiares com base em medidas sanitárias, entendo que possibilitar nesse final de ano que sejam concedidas essas autorizações é muito benéfico", declarou Bruna Bevilacqua.
Há risco de detentos não retornarem às prisões?
Um levantamento realizado pelo Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo mostrou que, entre janeiro de 2015 e novembro de 2019, foram concedidas autorizações de saídas temporárias a 637.490 sentenciados em regime semiaberto nos mais diversos períodos do ano. Apenas 3,8% dos detentos que receberam sua autorização de saída temporária não retornaram às prisões.
"A maioria esmagadora dos condenados que recebem essa possibilidade de saída retornam ao presídio. Então essa medida é muito positiva e não é objeto de uma burla, ou de um desrespeito por parte de quem recebe a autorização", destacou a advogada Bruna Bevilacqua.
A doutora em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Tamires Maria Alves, em entrevista à Sputnik Brasil, também reiterou que a medida conhecida como "saidinha de Natal" é "extremamente importante" para a ressocialização dos detentos e está prevista na lei.
"Não é uma benesse, é uma medida legal prevista dentro da lei de execução penal, que é essa ideia de atender a progressão de pena, porque se visa a ressocialização. A lei de execução penal prevê isso porque ela defende que quando você está dentro do regime semiaberto, você sair da prisão, você ter esses intervalos que podem acontecer até cinco vezes por ano, facilita a ressocialização desses sujeitos", afirmou.
Arbitrariedade na flexibilização da pandemia
Tamires Alves, que também coordena o grupo de pesquisa Monitora COVID 19 no Sistema Prisional (FGV-Rio), explicou que no início da pandemia foi tomada a decisão de suspender o direito de visitas a detentos como uma medida sanitária para conter o coronavírus, mas quando todos os serviços voltaram a funcionar em um processo de flexibilização, as visitas continuaram suspensas.
De acordo com a especialista, a assimetria das medidas de contenção do coronavírus evidencia o grau de arbitrariedade que acontece sobre a população carcerária que, segundo ela, "é a população mais fragilizada, mais marginalizada pelo estado".
"A conexão familiar dos internos só foi voltar em São Paulo a partir de novembro com uma série de restrições [...] Mesmo com as visitas, continuou a proibição da entrada de objetos, bolsas, mochilas, etc. E isso é muito problemático, porque mesmo as visitas indo, elas não podiam levar os produtos que ajudam a combater o vírus", explicou.
"A gente vê que novamente é um grupo de pessoas marginalizadas, vilipendiadas dos seus direitos básicos por estarem já nessa situação de fragilidade, cerceadas de suas próprias liberdades individuais", acrescentou.
Precariedade no combate à COVID-19
A cientista política afirmou também que a situação do sistema prisional brasileiro é muito precária, tendo um total 757 mil presos e um déficit de vagas de 170%, o que torna muito complexo adotar uma política de combate à pandemia, que pressupõe a prática de distanciamento social e cuidados de higiene pessoal. Além disso, a maioria das unidades não conta com uma distribuição de kits de higiene em quantidade suficiente, com equipamentos de proteção de individual.
"Então não é um risco somente para os presos, mas também para os agentes, para quem trabalha. São públicos vulneráveis. Então é importante a gente dizer que não importa o quanto a gente controle a pandemia aqui fora, se a gente não olhar para essa população, a gente vai ter um caldeirão de pessoas contaminadas", argumentou.
Ao comentar as perspectivas de plano de vacinação contra a COVID-19 país, Tamires Alves afirmou que a população carcerária deve ser contemplada no projeto, porque é uma grande parcela da população que pode ser contaminada e repassar o vírus, e "isso atinge toda a sociedade civil".
"A defensoria pública de São Paulo aponta que 77,28% das unidades prisionais não possuem uma equipe mínima de saúde. Ou seja, elas não têm um médico no seu quadro de funcionários. É uma situação muito precária no estado mais rico do país e é um descumprimento das leis da Constituição Federal, dos tratados internacionais que o Brasil firma", completou a cientista política.