Diplomatas europeus e executivos de tecnologia estão ficando "cada vez mais frustrados" com as sanções unilaterais dos EUA contra a China e temem que as restrições impeçam as empresas da União Europeia (UE) de entrarem no mercado chinês, dando assim às empresas norte-americanas que desfrutam de isenções uma vantagem competitiva, relata o jornal Financial Times, que cita fontes comerciais e diplomáticas.
"Até agora, as empresas norte-americanas receberam licenças para abastecer a Huawei, enquanto os fornecedores europeus não", reclama um executivo à mídia.
Outro executivo afirma que seus produtos foram impedidos de serem exportados para a China em meio a temores de que eles pudessem ser usados para fins militares, mas reclamou que fornecedores norte-americanos estão supostamente preenchendo essa lacuna vendendo por intermediários.
Recentemente, o Departamento de Comércio dos EUA colocou a maior fabricante de chips da China, a Corporação Internacional de Fabricação de Semicondutores (SMIC, na sigla em inglês) na lista negra, citando interesses de segurança nacional. A mudança teria levado a ASML Holding, uma grande empresa holandesa de componentes de semicondutores, a perder a oportunidade de vender seu mais novo equipamento para a empresa chinesa.
Outras empresas europeias de tecnologia também foram bloqueadas pelas restrições dos EUA, especialmente aquelas que produzem microchips ou equipamentos de fabricação de chips que contam com patentes dos EUA.
Independência tecnológica
O Financial Times garante que, embora a lista de empresas que concederam isenções a empresas chinesas presentes na lista negra não esteja disponível publicamente, algumas empresas dos EUA, bem como empresas da Coreia do Sul e do Japão, teriam recebido isenções e continuam a fornecer alguns componentes para a Huawei.
Os países europeus e os fabricantes de tecnologia estão supostamente "frustrados" com as sanções unilaterais dos EUA e estão se esforçando para reduzir a dependência da propriedade intelectual norte-americana.
No início de dezembro, a Comissão Europeia anunciou a criação de uma "iniciativa europeia em tecnologias de processadores e semicondutores", com €145 bilhões (aproximadamente R$ 917 bilhões) do Fundo de Recuperação e Resiliência COVID-19, avaliado em € 672,5 bilhões (R$ 4,2 trilhões) e destinado a projetos de "transição digital" nos próximos anos.
Um diplomata europeu na China disse à mídia que a "iniciativa europeia" é uma indicação "de que os governos europeus querem ser menos dependentes da tecnologia dos EUA", com esse desejo "acelerado" pelas sanções norte-americanas. O diplomata admitiu que tornar realidade a independência tecnológica "demorará muito".
'Autonomia estratégica'
A iniciativa surge na esteira do trabalho do chefe de Política Externa da UE, Josep Borrell, que recentemente revelou o conceito de "autonomia estratégica" para a Europa em uma tentativa de permitir que o bloco assegure seu lugar na arena global em meio à crescente competição geopolítica e agarre seu destino "com suas próprias mãos".
A mudança doutrinária proposta marca uma grande transição da tendência pós-Segunda Guerra Mundial da Europa Ocidental para uma política externa resolutamente pró-EUA. No início de dezembro, Borrell indicou que a autonomia estratégica era aplicável tanto à economia quanto à política.
"Por exemplo, as sanções extraterritoriais impostas por alguns estados que afetam negativamente nossas empresas. Recusamos, não aceitamos este tipo de extraterritorialidade, mas em termos práticos tem efeitos. Se não aceitarmos, devemos ser capazes de resistir. Isso faz parte da autonomia", afirmou.
Junto com novas sanções contra a Rússia e a China na semana passada, Washington recentemente intensificou suas sanções contra o gasoduto Nord Stream 2, um projeto de energia conjunto Rússia-Europa Ocidental, e contra a Síria, Irã, Venezuela, Cuba, Nicarágua e Turquia, um aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), por causa da compra de um sistema de mísseis de fabricação russa por Ancara.
Na semana passada, fontes disseram à mídia dos EUA que o presidente eleito Joe Biden não tinha planos de abandonar a política de sanções de Trump, mas iria recalibrá-la e provavelmente expandir as restrições à Rússia, China e Coreia do Norte, enquanto possivelmente diminuiria a pressão sobre o Irã, em uma tentativa de se juntar novamente ao acordo nuclear.