A embaixada dos EUA em Bagdá informou no domingo (20) que o último ataque de foguetes contra a Zona Verde, que hospeda missões diplomáticas e prédios do governo, infligiu alguns danos menores às suas instalações, enfatizando que o ataque "claramente não tinha a intenção de evitar vítimas" e atribuindo a culpa a um "grupo de milícia rebelde apoiado pelo Irã".
Escalada de tensões
Há cerca de um mês, o principal cientista nuclear do Irã, Mohsen Fakhrizadeh, foi morto e ninguém assumiu a responsabilidade pelo ataque, que o Irã acredita ter sido conduzido por Israel e um grupo de oposição exilado. O assassinato evocou a lembrança do assassinato por drone do general Qassem Soleimani, em janeiro de 2020.
"O presidente Trump está aparentemente interessado em punir o Irã na medida do possível, antes de não ter o poder de fazê-lo em menos de dois meses", sugere Hooman Majd, jornalista, escritor e comentarista sobre Irã-EUA, destacando cinco possíveis razões por trás da retórica endurecida do presidente norte-americano:
- primeira: Trump gostaria de ver a administração Biden lutando para se juntar novamente ao Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), comumente conhecido como o acordo nuclear com o Irã, que os EUA deixaram em 2018;
- segunda: a postura adotada por Trump talvez seja uma vingança pelo Irã não ter cedido às suas demandas e não concordar em se encontrar com ele e negociar um novo acordo;
- terceira: provavelmente porque a política de "pressão máxima" de Trump sobre o Irã falhou e o presidente norte-americano, no entanto, deseja persegui-la até o fim;
- quarta: é aparente a crescente influência do secretário de Estado Mike Pompeo, um experiente conhecedor do Irã, na elaboração da política externa dos EUA até 20 de janeiro de 2021;
- quinta: as preocupações de Israel e da Arábia Saudita com a projeção do retorno de Washington ao JCPOA também podem estar em jogo.
A aparente frustração de Trump com sua "campanha de extrema pressão fracassando em colocar o Irã de joelhos" e sua provável intenção de "envenenar tanto as relações que tornaria terrivelmente difícil para Biden retornar ao JCPOA" são as principais causas por trás das últimas ameaças do presidente norte-americano, defende Gal Luft, codiretor do Instituto de Análise de Segurança Global, com sede nos EUA.
"Isso se encaixa em uma tradição de presidentes que tentam influenciar seus sucessores de outro partido. Vejo a administração Trump dando passos em seus últimos dias para impedir um retorno de Biden ao JCPOA", ecoa Daniel Pipes, historiador, escritor e comentarista.
Em novembro, Trump impôs novas sanções à Fundação Mostazafan do Irã e cerca de 160 de suas subsidiárias, supostamente vinculadas ao líder supremo aiatolá Ali Khamenei, bem como ao ministro da Inteligência e Segurança iraniano, Mahmoud Alavi, e vários outros indivíduos. Na altura foi dito que que o presidente dos EUA estava considerando um possível ataque contra uma instalação nuclear iraniana, reportou o jornal The Wall Street Journal.
Trump vai recorrer a uma opção militar contra Teerã?
A resposta do presidente norte-americano ao ataque à embaixada dos EUA no Iraque por grupos não identificados visa fazer "o regime iraniano e as milícias xiitas pró-iranianas pensarem duas vezes se pretendem realizar ataques contra alvos dos EUA e dissuadi-los de um ataque de vingança em comemoração ao aniversário do assassinato do general iraniano Qassem Soleimani pelos EUA [em 3 de Janeiro]", avalia Michael Barak, pesquisador sênior do Centro Moshe Dayan para Estudos do Oriente Médio e da África.
A morte de Soleimani levou o Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica do Irã (IRGC, na sigla em inglês) a lançar vários mísseis balísticos em Ayn al-Asad, base militar das Forças Armadas iraquianas e dos EUA, bem como em outra base aérea em Erbil, no norte do país em 8 de janeiro. Os ataques resultaram em mais de 100 soldados feridos, de acordo com o Pentágono.
Trump, todavia, absteve-se de lançar um ataque militar simétrico contra o Irã. Não está claro se o presidente norte-americano evitará uma opção militar desta vez em resposta ao que Trump acredita ser um ataque com mísseis apoiado pelo Irã, de acordo com Barak.
Há um contingente militar norte-americano destacado no golfo Pérsico, de modo que qualquer possível ataque do Irã contra os EUA pode ser "uma desculpa legítima para os EUA atacarem alvos iranianos", segundo o pesquisador.
Trump pode recorrer a "uma resposta massiva se o regime iraniano o provocar", ecoa Itamar Rabinovich, professor emérito de História do Oriente Médio na Universidade de Tel Aviv, Israel. Ao mesmo tempo, se Teerã recorrer à diplomacia dura em meio às tensões entre os EUA e o Irã, isso pode prejudicar os planos de Biden de voltar ao acordo nuclear com o Irã, segundo o acadêmico.
"Biden gostaria de voltar a uma versão melhorada do JCPOA […]. O regime iraniano está fazendo uma postura exigindo o fim das sanções primeiro. Eles podem acabar sozinhos. Biden quer melhorar o relacionamento, mas não pode se dar ao luxo de parecer muito brando", comenta Rabinovich.
Após o ataque em Bagdá, funcionários de alto escalão da segurança nacional dos EUA concordaram com uma série de opções a serem apresentadas ao presidente Trump para impedir qualquer ataque a militares ou diplomatas norte-americanos no Iraque, relatou a agência Reuters. Citando um alto funcionário do governo Trump, a mídia sugeriu que as medidas acordadas não continham uma resposta militar ao ataque. No entanto, esse cálculo pode mudar se houver ataques futuros e se eles estiverem prejudicando os norte-americanos, disse a autoridade à Reuters.
Por sua vez, o Irã está fortalecendo os sistemas de defesa antiaérea localizados perto de suas instalações nucleares como precaução contra possíveis ataques de mísseis dos EUA. Essas precauções estão sendo tomadas na cidade de Isfahan, onde está localizada a planta de enriquecimento de urânio Natanz.