Quatro fatores são apresentados como alguns dos possíveis gatilhos para a desvalorização da moeda norte-americana. Primeiro, os investidores não veem mais o dólar como uma moeda porto-seguro no contexto do início da vacinação contra a COVID-19, afirma Barry Eichengreen, escritor e professor de economia e ciência política da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, em artigo publicado pelo jornal Financial Times.
O especialista lembra que o dólar se fortalece com o aumento da incerteza, a exemplo do que aconteceu em março. Agora, com o início da vacinação, a grande incerteza relacionada à pandemia ficou para trás. No entanto, mesmo que haja alguma incerteza sobre a fabricação, distribuição e aceitação dos imunizantes, certamente não será suficiente para justificar a queda de 20% do dólar, prevista por alguns economistas, observa Eichengreen.
Em segundo lugar, existe a política monetária do Sistema de Reserva Federal (Fed, na sigla em inglês) dos EUA de relaxamento contínuo. Tem sido mais agressivo do que outros bancos centrais na ampliação de seu balanço, destaca o especialista. No entanto, os demais bancos ainda não encerraram suas medidas de relaxamento econômico. O Banco Central Europeu, por exemplo, parece relutante em reforçar o euro e sinalizou que atuará no sentido de limitar a valorização da moeda.
Terceiro, há o duplo déficit orçamentário e em conta corrente dos EUA, que deve ser financiado pela importação de capital exterior. Segundo o economista, obter esse tipo de financiamento exige tornar os ativos norte-americanos mais atraentes, e isso exige desvalorizar o dólar.
De acordo com Eichengreen, a mesma hipótese de déficit duplo era popular antes da crise financeira por aqueles que previam uma queda do dólar. Mas isso acabou não acontecendo e não há razão para pensar que vá acontecer agora, diz o professor. Um dos motivos é que, embora a poupança do governo dos EUA tenha caído, a poupança privada está aumentando.
Por fim, muitos especialistas preveem o fim do domínio geopolítico dos EUA, de modo que o dólar pode perder seu status de moeda líder mundial.
"A hegemonia global dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial foi uma base importante para o status do dólar como principal moeda global. Essa posição dominante foi agora minada pelo unilateralismo errático do presidente Donald Trump. Outros países veem os EUA como uma democracia danificada e um parceiro de aliança não confiável", observa Eichengreen no jornal Financial Times.
Neste contexto, o yuan é apresentado como uma alternativa viável à moeda norte-americana para alguns especialistas.
No entanto, Eichengreen acredita que o novo presidente dos EUA, Joe Biden, poderia desfazer alguns desses danos ao se engajar novamente com o multilateralismo e seus parceiros. O professor afirma ainda que a moeda chinesa ainda tem um longo caminho a percorrer para assumir o lugar que o dólar ocupa na carteira de investimentos.
Portanto, "seria tolice apostar na continuidade da queda do dólar", diz o especialista.