Contrariando o discurso do governo de que o país estava voltando a crescer no início de 2020, mas a pandemia causou um terremoto econômico e trouxe recessão, o sociólogo Dário Souza e Silva diz que já havia no Brasil um quadro de desalento, retirada de direitos e crise social.
"É importante colocar o que é da esfera da pandemia e suas repercussões em campo, e levar em consideração o que era da esfera do projeto econômico em curso e seus efeitos", disse o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), o desemprego no Brasil saltou para nova taxa recorde de 14,6% no trimestre encerrado em setembro, afetando 14,1 milhões de pessoas.
Em relação ao PIB, o Fundo Monetário Internacional (FMI), em seu último relatório, melhorou sua projeção para a economia brasileira e espera uma contração de 5,8% em 2020, ante um prognóstico anterior de queda de 9,1% do PIB.
"Estamos numa condição crítica, que mostra que a condução das políticas da esfera econômica e das políticas sociais não vinha em um bom curso", opinou Souza e Silva.
'Contas não batem no fim do dia'
Para o sociólogo, a pandemia agravou o cenário nacional com uma "taxa de transmissão altíssima" do coronavírus. Para ele, vivemos uma "primeira onda inconclusa" da COVID-19, mas "sem nenhum plano para atendimento disso".
Souza e Silva diz que esse cenário causa um "tensionamento da vida social em seus diferentes planos", atingindo mais fortemente as camadas mais pobres.
"Para a população que está próxima ou abaixo da linha da pobreza, as condições de incerteza e de oscilação econômica são muito mais intensamente impactantes. As contas que não batem para um trabalhador no fim do mês, para um trabalhador nas condições de extrema pobreza não batem no fim do dia", alertou o professor.
Auxílio não foi suficiente
Souza e Silva diz ainda que o auxílio emergencial não atendeu toda a população brasileira, principalmente as "pessoas de maior vulnerabilidade".
"O auxílio emergencial, algo que sempre foi rejeitado pelo atual governo, não foi suficiente para incluir as pessoas de maior vulnerabilidade, haja visto que para ingressar nessa política é preciso acesso a Internet e, ao menos, um celular, e a população que está muito abaixo da linha de pobreza não tem acesso a esses recursos", disse ele.
Diante da chegada da epidemia do coronavírus, o governo relutou em conceder algum tipo de bolsa para a população. Inicialmente, a proposta era um auxílio de R$ 200. Após pressão do Congresso e da sociedade civil, o benefício passou para R$ 600 e começou a ser pago em abril.
O valor integral foi pago até agosto. De setembro até dezembro, o benefício passou para R$ 300. A bolsa beneficiou 67,9 milhões de pessoas e o governo gastou cerca de R$ 300 bilhões. O governo não prorrogou o auxílio, cuja última parcela foi concedida no final de 2020.
Fim do pagamento do auxílio emergencial e alta dos casos da COVID-19 vão causar um forte impacto na questão sanitária e econômica do país, disseram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil https://t.co/OVMmDaHZB6
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) December 31, 2020
Saúde, educação, renda e habitação
Para diminuir a desigualdade no Brasil, o sociólogo diz que é preciso reestruturar políticas públicas que, segundo ele, passaram a ser abandonadas desde 2016, principalmente na área da saúde, habitação, renda e educação.
"Além do empobrecimento, há uma intensificação daquilo que já foi chamado de necropolítica, uma política caracterizada pela morte como efeito, e pela negligência da vida por outro lado", afirmou Dário Souza e Silva.