O início do ano marca tradicionalmente um aumento dos gastos nas famílias brasileiras. Diversas taxas, entre elas o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), são pagas nos primeiros meses do ano. Além disso, existem outras despesas, tais como as matrículas em escolas e universidades.
Além dos impostos e despesas do início de ano, o mês de janeiro marca o fim do auxílio emergencial do governo, aumentando ainda mais a pressão sobre os brasileiros, que não veem uma perspectiva de melhora na economia e podem não conseguir honrar com os seus compromissos.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada pela Folha de S.Paulo no dia 4 de janeiro, a maior parte dos brasileiros não está confiante quanto a uma retomada da economia em 2021, diante da grave crise provocada pela pandemia de COVID-19, que afetou profundamente diversos setores econômicos e obrigou o governo a implementar ações emergenciais e políticas de assistência social, tais como o auxílio emergencial.
O levantamento indica que 41% dos brasileiros acreditam que a situação econômica do país vai piorar nos próximos meses. Além disso, 28% creem que ela permanecerá igual, ou seja, quase sete em cada dez brasileiros (69%) têm a impressão de que não haverá melhora no quadro econômico do país em 2021. Por sua vez, os que acreditam em uma melhora somam 28%.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Mauro Rochlin, professor dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que, se fosse possível adiar o pagamento desses impostos e se houvesse algum alívio nessas despesas de início de ano, os recursos que seriam gastos com elas provavelmente se voltariam para o consumo, o que "ajudaria para uma retomada" da economia.
Como o governo não tomou nenhuma medida relacionada a isso, o pesquisador acredita que é bastante provável imaginar que, diante de um prognóstico ruim para a economia, haverá um impacto negativo no pagamento de compromissos.
"Eu acredito que, daqui para a frente, sem o auxílio emergencial, haverá uma inadimplência maior no país", opina.
No segundo semestre de 2020, os números de inadimplência no Brasil surpreenderam ao registrarem queda em plena pandemia. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) do mês de dezembro, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o total de famílias com dívidas ou contas em atraso registrou a quarta redução consecutiva, caindo de 25,7%, em novembro, para 25,2%.
Diversos especialistas atribuem esse fato aos programas do governo, como o auxílio emergencial, que permitiram que muitos quitassem suas dívidas e também não deixassem de pagar contas de fornecimento de serviços, como luz, água e telefone. Além disso, a menor taxa de juros da história do país fez com que muitos credores pudessem renegociar suas dívidas.
Essa maior oferta de crédito, no entanto, acabou provocando também um aumento do nível de endividamento das famílias. Segundo a PEIC de dezembro, 66,3% dos consumidores brasileiros têm dívidas, o que representa um aumento de 0,3 ponto percentual com relação a novembro e de 0,7% em relação a dezembro de 2019. Com o fim dos programas emergenciais do governo, a persistência da crise - pois os números da pandemia voltaram a crescer -, e o aumento do endividamento da população, teme-se o crescimento da inadimplência nos primeiros meses de 2021.
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) de dezembro apontou que 66,3% dos consumidores estão endividados, uma alta de 0,3 ponto percentual com relação a novembro. No comparativo anual, o indicador registrou aumento de 0,7 ponto percentual.
— Sistemacnc (@SistemaCNC) January 7, 2021
Em relação aos impactos que o possível aumento da inadimplência poderá ter sobre as contas públicas, Rochlin acredita que vai depender muito da dimensão com que isso vai acontecer.
"Estamos falando de impactos sobre prefeituras e estados basicamente. Pois estamos falando de IPTU, que é um imposto municipal e IPVA, que é um imposto estadual. Então isso vai se refletir, em alguma medida, nas contas desses dois entes federativos, mas não diretamente na conta do governo federal", avalia o especialista.
De acordo com o anuário Multi Cidades, divulgado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) em outubro, citado pelo jornal Correio Braziliense, a arrecadação dos municípios diminuiu na pandemia. O IPTU, por exemplo, registrou queda de 15,8% no segundo trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019, um cenário que, ao que tudo indica, deve se agravar em 2021.
Para tentar mitigar esse problema, que na opinião de Mauro Rochlin muito provavelmente vai acontecer, fica difícil imaginar alguma estratégia que os governos estaduais e municipais possam adotar de imediato.
"Já no médio e no longo prazo, qualquer política que se reverta na geração de um maior número de empregos vai ter reflexos positivos sobre as contas de todos os entes nacionais, estaduais e municipais. Se considerarmos que a reforma tributária e, principalmente, a reforma administrativa, pode ter impacto relevante, eu acho que o caminho seria por aí", conclui o especialista.