A cinco dias da posse do novo presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, o apoio aberto do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, ao atual ocupante da Casa Branca, Donald Trump, tem gerado preocupações sobre o futuro próximo da relação entre os países.
Para Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP), a situação do chanceler brasileiro já vem sendo questionada por sua posição em diversos temas da agenda da política externa. Segundo ela, as atitudes recentes do chanceler pioraram a situação.
"A pressão de muitos setores econômicos tem sido cada vez maior. Na gestão Biden, nas últimas semanas, a atitude que ele [Araújo] vem tomando, pública, de se posicionar na questão da invasão do Capitólio, no questionamento sobre a atuação das empresas de tecnologia que baniram o Trump [...] essas ações tornam ele cada vez menos capaz de ser o representante brasileiro em um diálogo com Biden", afirma a professora em entrevista à Sputnik Brasil.
"Uma hipótese é de que o vice-presidente [Hamilton] Mourão se torne um porta-voz mais ativo em termos de política externa, mas acho que quanto a isso ainda há um grau de incerteza. A certeza que a gente tem é que a forma como ele vem atuando e o modelo de comunicação do Ernesto torna ele praticamente inviável no diálogo e na representação dos interesses do Brasil", avalia a pesquisadora.
O chanceler Araújo é crítico de laços com a China, além de manifestar posições contrárias à atuação de órgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU). Araújo também já deu declarações atribuindo a pandemia da COVID-19 a uma conspiração global. Uma reportagem publicada pela revista Piauí revelou em dezembro de 2020 que as posições do chanceler encontram resistência entre os diplomatas do Itamaraty.
A professora Denilde Holzhacker acredita que a postura do chanceler será motivo de conflito com a gestão Biden em áreas como o meio ambiente e os direitos humanos, mas que o acirramento deve existir com ou sem Araújo.
"Pelo menos o cenário mais provável neste momento é que mesmo que tenha uma mudança do ministro, com a retórica e com as ações do governo Bolsonaro, a gente continue cada vez sendo mais isolado nas relações regionais e os EUA busquem outras parcerias com países da região", afirma a professora, que acrescenta que a relação Brasil-EUA pode se tornar algo "protocolar".
Um fator que deve reforçar esse cenário, segundo a professora, é a demora de Bolsonaro para reconhecer a vitória de Biden nas eleições presidenciais nos EUA. Bolsonaro foi um dos últimos chefes de Estado do mundo a reconhecer a vitória de Biden, mas chegou a declarar que houve fraude no processo eleitoral norte-americano, além de nunca ter escondido a simpatia pelo projeto político de Donald Trump.
"Isso é parte das estratégias domésticas, manter os seus grupos de apoio interno, o que o Bolsonaro está fazendo, mas que vai ter um reflexo muito grande na postura do governo Biden. Então, o que a gente vai esperar aí é um relacionamento de muito pouca relação entre os dois países e entre os dois presidentes", diz a pesquisadora da ESPM.
Para Holzhacker, a postura do atual governo brasileiro será responsável pelo isolamento do país no cenário internacional.
"Pela estratégia que tem feito e pelas posturas que o governo brasileiro tem adotado, a gente pode esperar cada vez mais um isolamento do Brasil frente aos grandes países, não só os EUA, mas Europa e também dificuldades em outras agendas", conclui.