A caravana, com 136 mil litros de oxigênio, deve ajudar a amenizar a situação em Manaus, cidade de 2,2 milhões de habitantes, onde os hospitais entraram em colapso após uma explosão de casos do coronavírus.
O país enviou a ajuda ao Brasil apesar de o governo do presidente Jair Bolsonaro não reconhecer o do venezuelano Maduro, a quem chama de "ditador" de esquerda.
"Deixem este oxigênio chegar rapidamente ao povo do Brasil. Deixem o povo do Brasil saber que da melhor maneira que podemos, estamos prontos para apoiar", declarou Maduro ao anunciar a ajuda, segundo publicou a AP.
Para discutir o tema da ajuda venezuelana, a Sputnik Brasil conversou com Guilherme Basto-Lima, analista internacional da PUC-Rio, doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ e especialista em Cidades e culturas políticas latino-americanas.
Perguntado se o ato de auxílio venezuelano pode resultar em um degelo das relações entre os governos do Brasil e do país vizinho, ou pelo menos aumentar a colaboração fronteiriça, o especialista disse que há dois fatores determinantes que devem orientar a política internacional brasileira durante os próximos meses.
"Primeiro quais vão ser as respostas que os países vão dar à pandemia nessa etapa em que a vacinação já é realidade em alguns lugares e outros já se adiantam para estabelecer seus calendários. E em segundo lugar, o novo governo dos EUA, que aos poucos deve dar uma nova orientação à política externa americana que seguramente vai impactar as relações do Brasil com a Venezuela e demais vizinhos", avaliou Guilherme.
Segundo o especialista, a Venezuela enfatizou no anúncio da ajuda que era um ato de solidariedade entre os povos, que não necessariamente estava esperando alguma contrapartida. Essa solidariedade venezuelana é para eles uma tarefa do governo, que inclusive foi estendida a vários outros países, como por exemplo Reino Unido e EUA.
Para Guilherme, outro fator que pode influir nessa mudança de relacionamento com a Venezuela é uma possível troca de comando no Itamaraty, devido a críticas ao atual ministro Ernesto Araújo: "Pode acontecer uma troca por alguém com um perfil mais moderado, até porque Ernesto não tem mais o cenário no qual se alinhava ao governo Trump, que está acabando".
Relação de Bolsonaro com o governo da Venezuela
Em recentes declarações de Bolsonaro após o anúncio da ajuda venezuelana, o presidente fez ironias e questionamentos sobre o governo do país vizinho. Guilherme acredita que "essa drástica reorientação que o governo Bolsonaro vem tentando conferir à política externa brasileira tem tido como resultado um fracasso absoluto em qualquer aspecto que for analisado".
"Do ponto de vista de nossos vizinhos e irmãos sul-americanos, é um completo desastre. Nesse episódio onde nosso país foi ajudado e a resposta dada foi a ironia, o estilo fanfarrão, com as tradicionais bravatas do presidente, isso apenas apequena não só o presidente como também o Brasil. Não vejo que isso possa abrir uma escalada de tensões, mas por outro lado quem gosta desse estilo também se cansa, porque não vê resultados concretos a partir disso", declarou o especialista.
Venezuela busca contatos políticos com outras entidades nacionais
Criticado pelo governo brasileiro, Maduro poderia estar tentando através da ajuda manter contato com entidades, estados e municípios brasileiros para manter sua política externa com o Brasil viva?
Guilherme opina que a "própria inabilidade da diplomacia brasileira nos últimos dois anos abre um espaço para que os entes federados, como cidades e estados, ocupem esse lugar que o país deixa de disputar no cenário internacional"
"Um exemplo recente, há coisa de três ou quatro dias atrás, foi o consórcio de estados do Nordeste estar fechando um acordo com o governo da Rússia para o envio de 40 milhões de doses da vacina Sputnik V e é provável que o Supremo Tribunal Federal autorize esse tipo de movimento, porque o estado brasileiro está dando provas de que não consegue dar resposta ao problema da pandemia. Eu imagino que certamente a diplomacia venezuelana vai tentar aprofundar esses laços, como fez no passado em um acordo com o governo do Paraná que estimulava a exibição do canal Telesur em território paranaense", avaliou o especialista.
A Venezuela enfrenta a pior crise econômica de sua história moderna, com hiperinflação e sete anos de recessão, o que impactou seu próprio sistema de saúde, afetado pela escassez de suprimentos médicos e material de proteção para a COVID-19.
Maduro aprovou a partida de um comboio de seis caminhões-tanque carregados de oxigênio rumo ao Brasil, evento transmitido nacionalmente no último domingo (17) pela TV estatal do país.