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Governo federal admite à Sputnik Brasil não ter dados consolidados de vacinação, mas culpa RN e SP

© Folhapress / Cris FagaOs profissionais da saúde do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) recebem primeira dose da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, para o combate à COVID-19
Os profissionais da saúde do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) recebem primeira dose da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, para o combate à COVID-19 - Sputnik Brasil
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Questionado sobre o número de vacinados no país, Ministério da Saúde disse à Sputnik Brasil que lançou plataforma com dados sobre imunização, mas números não estão consolidados. 

A imunização no Brasil começou no dia 17 de janeiro. Primeiramente, apenas com o uso da CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac. Depois, lote de dois milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, que foi importado da Índia, foi incorporado ao processo. 

Os dados do governo federal registram pouco mais de 277 mil pessoas vacinadas no país até o dia 27 de janeiro. Os números estão bastante defasados: somente no estado de São Paulo, de acordo com plataforma lançada pelo governo regional, já foram imunizados pelo menos 228 mil indivíduos até essa data.

O painel do Ministério da Saúde, batizado de Brasil Imunizado, é de difícil localização e não está sendo divulgado nos sites do governo. Ele pode ser acessado pela ferramenta LocalizaSUS, onde também é possível ver a distribuição de doses destinadas aos estados e municípios. 

'Pasta depende do envio desses dados'

"O sistema está em fase de consolidação de dados e deve ser concluído nos próximos dias", disse a pasta em resposta à Sputnik Brasil. 

O Ministério da Saúde afirmou ainda que os "dados de doses aplicadas e coberturas vacinais disponibilizadas dependem dos estados e municípios alimentarem o sistema". De acordo com a pasta, "São Paulo e Rio Grande do Norte optaram por soluções próprias".

"Dessa forma, a pasta depende do envio desses dados para completar a divulgação nacional, conforme orienta Portaria GM/MS Nº69 de 14 de janeiro de 2021", acrescentou o ministério. 

A lei em questão "institui a obrigatoriedade de os serviços de vacinação públicos e privados efetuarem o registro das informações sobre as vacinas contra a COVID-19 aplicadas nos sistemas de informação disponibilizados pelo Ministério da Saúde".

© Folhapress / Aloisio Mauricio / FotoarenaA enfermeira Mônica Calazans, funcionária do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, foi a primeira pessoa vacinada contra a COVID-19 no Brasil. Ela recebeu dose da CoronaVac, imunizante desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac
Governo federal admite à Sputnik Brasil não ter dados consolidados de vacinação, mas culpa RN e SP - Sputnik Brasil
A enfermeira Mônica Calazans, funcionária do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, foi a primeira pessoa vacinada contra a COVID-19 no Brasil. Ela recebeu dose da CoronaVac, imunizante desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac

Dados desatualizados

No painel do governo federal não constam os números do Rio Grande do Norte e de São Paulo, apenas de 25 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal. Mesmo assim, os números relativos aos outros estados estão desatualizados. 

De acordo com a plataforma, em todo o estado do Rio de Janeiro foram vacinadas, até o momento, aproximadamente 12 mil pessoas. Mas somente na capital, segundo sistema criado pela prefeitura do Rio, o número de vacinados se aproxima de 91 mil. 

A Sputnik Brasil apurou que foi realizada uma reunião, no início da semana passada, de apresentação por parte do Ministério da Saúde com equipes técnicas dos estados, para explicar como funciona o sistema do governo federal e como será feita a troca de informações de dados. 

Por meio de nota, a Secretaria da Saúde do estado de São Paulo disse que "a equipe de Tecnologia da Informação da Secretaria de Estado da Saúde já solicitou acessos ao DATASUS [departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil] para iniciar o processo de integração da plataforma VACIVIDA ao sistema do Programa Nacional de Imunizações (PNI), e aguarda liberação".

A pasta acrescentou ainda que os dados da plataforma estadual estão disponíveis em vacinômetro público e atualizado em tempo real no site do governo. A Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte, por sua vez, disse que o sistema utilizado pelo estado é o RN Mais Vacina. 

"Os dados estão em fase de homologação no site do Ministério da Saúde, através da DATASUS. Deverão ser integrados ainda essa semana", afirmou a pasta. De acordo com o painel, quase 26 mil pessoas tinham sido vacinadas no estado até esta quarta-feira (27). 

'Tendência a esconder'

Para Flávio da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), a falta de dados do governo federal não surpreende e é fruto de uma "lógica negacionista" no combate à pandemia, além de "tendência a esconder e não apresentar informações de maneira clara". 

Em junho, o Ministério da Saúde chegou a reduzir o boletim diário com números sobre a pandemia, deixando de informar total de casos e óbitos. Após repercussão negativa, o governo recuou. Em 23 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a obrigatoriedade da divulgação integral dos dados. A decisão da Corte foi uma resposta à ação de partidos da oposição (PSOL, PCdoB, PDT e Rede) exigindo que os números fossem publicados. 

Segundo especialistas, a falta de divulgação sobre os vacinados poderia motivar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, com pedido para que o governo informe à população de forma clara e precisa sobre o andamento da imunização. 

© Folhapress / Phil LimmaCemitério na cidade de Manaus. Segundo Ministério da Saúde, até 26 de janeiro foram registrados 8.933.356 casos e 218.878 mortes pela COVID-19 no Brasil
Governo federal admite à Sputnik Brasil não ter dados consolidados de vacinação, mas culpa RN e SP - Sputnik Brasil
Cemitério na cidade de Manaus. Segundo Ministério da Saúde, até 26 de janeiro foram registrados 8.933.356 casos e 218.878 mortes pela COVID-19 no Brasil

Atrapalhar planejamento

O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia disse também que os dados incompletos sobre a vacinação podem atrapalhar o planejamento e a execução do plano de imunização.

"Isso impacta toda e qualquer análise que se possa fazer em termos de estratégia. Os dados municiam tomadas de ação, pois tudo que está acontecendo precisa ser decidido em tempo real. Se há problema de cobertura vacinal em determinado local, significa que é preciso intervir naquele local imediatamente para corrigir o desequilíbrio. É difícil fazer planejamento sem dados exatos", disse Fonseca à Sputnik Brasil. 

'Completa desmoralização'

Para o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão a desatualização dos dados demonstra a "completa desmoralização do papel" da pasta. O médico sanitarista critica o que chama de "intervenção militar" no ministério, que hoje é comandado pelo general Eduardo Pazuello e tem vários militares em outros cargos. 

"O ministério perdeu sua credibilidade e respeitabilidade. É ruim para a sociedade, que não tem acesso aos números, e ruim para o planejamento e monitoramento da vacinação. Nunca tinha ocorrido isso com o Plano Nacional de Imunização, que sempre registrou o número de vacinados em tempo real", disse o ex-ministro dos governos Lula e Dilma à Sputnik Brasil. 

A dificuldade de acesso às informações sobre a COVID-19 e a desconfiança com o governo motivaram várias iniciativas de compilação de dados da pandemia no Brasil. Em junho, foi criado um consórcio de imprensa para apurar o número de casos e óbitos pelo coronavírus no país. 

Com o início da vacinação, o consórcio também passou a contabilizar, junto às Secretarias estaduais de Saúde, o número de vacinados. Segundo a iniciativa, quase 845 mil pessoas já foram vacinadas no país até o dia 27 de janeiro - aproximadamente 578 mil imunizados a mais do que o registrado pela plataforma do governo federal. 

Iniciativas amadoras

Há ainda iniciativas amadoras, mas que passaram a ser usadas como fonte de dados por especialistas em saúde. A mais popular delas é o painel COVID-19 no Brasil, que é municiado a partir de dados da conta do Twitter @coronavirusbra1, criada por Carlos Achy e Gabriel Canário. Os dados são coletados por um grupo heterogêneo de nove pessoas, que conta até com um cineasta, Leonardo Medeiros, um dos mais ativos no garimpo de informações sobre a pandemia.

"Conheci a página no início da pandemia, quando procurava por dados mais atualizados do que os do governo. Comecei a fazer gráficos do acompanhamento de casos por milhão por estado, porque não encontrei em nenhum lugar na época", disse Medeiros à Sputnik Brasil. 

O físico e programador Wesley Cota é um dos responsáveis por estruturar os números na plataforma. Pesquisador de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), ele participou de iniciativa semelhante na Espanha e levou o projeto para a instituição. 

Cota diz que seu painel integra um projeto da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de monitoramento contínuo da COVID-19 no Brasil. Além disso, seu grupo na UFV mantém contato com algumas prefeituras, como a de Viçosa (MG), com o comitê científico do governo de Minas Gerais e com o comitê científico do Consórcio do Nordeste. 

Referência mundial

A página Our World in Data, que compila dados sobre a pandemia do coronavírus e de vacinados em todo mundo, usado como referência por vários meios de comunicação e pesquisadores, também utiliza como fonte, para o Brasil, o painel desenvolvido por Cota e seus parceiros. 

Segundo o painel, 1,141 milhão de pessoas já foram vacinadas no Brasil até o dia 27 de janeiro, número muito maior do que o registrado pela plataforma do governo federal. 

"A falta de dados é muito prejudicial e desperta desconfiança na população. O que tentamos é deixar esses dados da forma mais transparente possível para condensar essas informações para a população. Em particular, os dados por municípios me surpreenderam, pois muita gente vinha agradecer, querendo saber como estava a situação na cidade deles. Os números da conta estão bem populares. Isso só mostra como os governos até hoje não aprenderam que a população quer saber esse tipo de coisa…", disse Wesley Cota à Sputnik Brasil.
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