Nesta quarta-feira (3), o Brasil formalizou a oferta de abertura de licitações públicas a empresas internacionais, ao apresentar à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma lista de órgãos, bens e serviços que poderão entrar no acordo de compras governamentais.
Integram o acordo atualmente 48 países. Segundo os ministérios da Economia e das Relações Exteriores, ele oferece isonomia a empresas nacionais e estrangeiras nas concorrências públicas e abre acesso a um mercado de US$ 1,7 trilhão (cerca de R$ 9,2 trilhões) por ano, além de acelerar o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para o professor de economia Ricardo Balistieiro, coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia em São Paulo, a abertura das licitações para empresas estrangeiras tem muito mais a ver com o objetivo de aumentar a concorrência interna do que algo articulado em torno da entrada do Brasil na OCDE, o que, segundo ele, passa muito mais pelo apoio norte-americano.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Balistieiro assinala que a busca do apoio de Washington para entrar na OCDE começou em 2019, ainda no governo Donald Trump, um presidente que tinha um alinhamento ideológico maior com o atual governo brasileiro. Agora, com a mudança de comando nos Estados Unidos, o economista acredita que será necessário que o Executivo comandado por Jair Bolsonaro construa pontes com Joe Biden, "porque somente com o apoio decisivo norte-americano é que o Brasil terá condições de pleitear uma vaga na OCDE."
"Os primeiros sinais emitidos pelo governo Biden é que as negociações serão um pouco mais difíceis para o Brasil, exatamente porque, dentre outras agendas, a ambiental é uma agenda bastante importante para os Estados Unidos. Então, a questão da OCDE me parece que fica um pouco mais distante do que essa ação tomada pelo governo de possibilitar que empresas estrangeiras participem de licitações aqui no Brasil", analisa Balistieiro.
Para o coordenador do curso de administração do Instituto Mauá, parece que a estratégia de abrir o mercado para empresas estrangeiras em troca de uma vaga no chamado clube dos ricos "não foi totalmente cuidada por parte da equipe econômica e nem do Ministério das Relações Exteriores", especialmente no momento em que boa parte do chamado mundo desenvolvido tem se voltado para proteger e estimular a produção local.
"A abertura pura e simples pode prejudicar muito as empresas brasileiras, principalmente as pequenas [...] ainda mais em um momento como esse que nós estamos vivendo, nós vamos acabar gerando empregos no exterior e destruindo empregos aqui no Brasil. Então, é muito importante que o detalhamento dessa decisão seja divulgado para que a gente possa ter uma análise um pouco mais profunda, se isso vai gerar impacto, por exemplo, nos nossos grupos empresariais locais", afirma.
Oferta inicial brasileira para adesão ao Acordo sobre Contratações Governamentais - Nota conjunta do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Economia: https://t.co/NIZnRmwqzf pic.twitter.com/Nk8CMcyKfW
— Itamaraty Brasil 🇧🇷 (@ItamaratyGovBr) February 3, 2021
Com base no que foi apresentado pelo governo brasileiro, a principal mudança no acordo é que ele dispensa as empresas estrangeiras de terem um representante legal no país para participar das licitações. Contudo, a exigência passará a ser obrigatória para as empresas que vencerem as concorrências, que abrangerão a compra de produtos, serviços e obras públicas. Para Balistieiro, essa medida é importante, pois ele considera essencial que a empresa possua representação no país quando começar a efetuar o serviço.
"Isso é importante porque também há a necessidade de uma aproximação da empresa com os consumidores, e aí não faria nenhum sentido que a empresa de sua matriz pudesse controlar toda a prestação de serviços aqui no Brasil. Então, essa me parece uma decisão correta. Vencida a licitação, a empresa obrigatoriamente passaria a ter que ter representantes aqui em nosso país", destaca o economista.
Segundo a nota emitida pelos ministérios da Economia e das Relações Exteriores, o acordo poderá resultar em aumento das exportações brasileiras, ao abrir o acesso de empresas brasileiras a licitações de outros países. Para o economista, no entanto, o fortalecimento das empresas privadas brasileiras deve passar primeiro por um Estado forte, que seja regulador e fomentador da iniciativa privada, e que necessariamente possua um projeto de desenvolvimento do país.
"Nós temos uma estratégia muito falha de desenvolvimento de grupos privados locais. Os grupos privados, normalmente, se desenvolvem a partir das benesses do Estado e não deveria ser assim. O estado deveria fomentar esses grupos [...] a andarem com as próprias pernas, e nós não temos feito isso", ressalta.
Além disso, o especialista acredita que a abertura pura e simples pode ser extremamente prejudicial para o país, ao frisar que se trata de uma estratégia que o Brasil já executou na década de 1990, e se provou equivocada.
"O que nós temos que ter é um meio termo, um Estado mais enxuto, um Estado mais robusto, um Estado menos corrupto, mas um Estado que vai fomentar o desenvolvimento de grupos privados, e esses grupos privados, aí sim, focados na sua eficiência, poderiam andar com suas próprias pernas, sem depender do Estado, nem da parte regulatória nem na parte tributária", conclui Balistieiro.