Para Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM/SP (Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo), o documento dá mais um sinal de qual será a postura do governo Biden em relação ao Brasil. Segundo o especialista, pode-se esperar pressões em diferentes áreas do governo brasileiro, como a econômica (principalmente em relação ao 5G), a estratégica e militar – e especialmente a ambiental.
"A pressão de Washington será, de algum modo, efetiva. Washington tem, sim, formas de fazer pressão no governo brasileiro. É evidente que estas mudanças acontecerão no estilo Biden: num estilo político, diplomático, sem show, sem exibição de força", diz Trevisan, em entrevista à Sputnik Brasil.
O dossiê entregue a Biden e membros do alto escalão da Casa Branca foi escrito por professores de dez universidades, além de diretores de ONGs internacionais, como a Amazon Watch. Além disso, o texto tem o endosso de mais de cem acadêmicos de universidades como Harvard, Brown e Columbia, e também de outras ONGs, segundo publicado pelo UOL.
Dois parlamentares próximos ao gabinete de Biden – a deputada Susan Wild, do Comitê de Relações Internacionais, e Raul Grijalva, presidente do Comitê de Recursos Naturais do Congresso norte-americano – revisaram o documento. O dossiê condena a aproximação entre os dois países ao longo dos últimos dois anos.
"Este dado revela que parte considerável do staff de poder norte-americano está olhando para as questões relativas ao Brasil de um jeito bastante preocupante para nós. De qualquer ângulo que se olhe, o documento não atende em absoluto aos interesses brasileiros", avalia Trevisan.
EUA sabem da importância geoestratégica do Brasil, diz especialista
A principal pressão de Washington sobre o Brasil será, segundo Trevisan, em relação à política ambiental. Durante o governo Trump, Bolsonaro não se sentia compelido a tomar decisões mais efetivas de proteção ao meio ambiente. Como resultado, o desmatamento da Amazônia apresentou uma alta de 9,5% no último ano.
Trevisan explica que a pressão ambiental sob Bolsonaro é também uma moeda política para Biden: defendendo uma agenda ecológica, ele se aproxima da ala mais progressista do partido democrata, que tem se tornado cada vez mais relevante na política dos EUA.
"Seria extremamente conveniente que o Brasil fizesse gestões políticas na direção de mostrar ao governo norte-americano uma questão ambiental mais consistente. Mas isto exigiria mudanças muito fortes nos princípios e nas prioridades da política externa brasileira. E não é isso o que temos visto", diz o especialista.
Apesar das pressões, Trevisan, que é especialista em história das relações internacionais e em geoeconomia internacional, avalia que Biden não abandonará acordos comerciais entre EUA e Brasil que sejam convenientes aos norte-americanos. Ele ressalta que as exportações do Brasil para os EUA diminuíram em quase um terço de 2019 para 2020. Trevisan aposta que Biden vai explorar este potencial que acabou enfraquecido no ano passado.
"O governo norte-americano percebe com muita clareza a importância geoestratégica do Brasil, tanto pela América Latina como pela imensa costa no Atlântico. Biden visitou o Brasil por cinco vezes. [...] Biden sabe muito bem a realidade brasileira e a importância que os EUA têm nessa realidade", diz o professor.
Diplomacia não será pautada no confronto: 'Esta época passou em Washington', diz Trevisan
Outro ponto será fundamental para o estabelecimento das novas relações entre Brasil e EUA: a guerra tecnológica. A pressão de Biden sobre o Brasil será diretamente proporcional à intenção do governo brasileiro de incluir a chinesa Huawei no leilão da rede de 5G do país.
"É preciso ter claro que não é possível esperar atitudes de confronto, de desaforo, em relação ao Brasil do governo Biden. Esta época passou em Washington", diz Trevisan
Trevisan destaca ainda outros dois pontos levantados pelo dossiê entregue a Biden. O primeiro é a base militar de Alcântara: para Trevisan, o Brasil deveria explorar o potencial da área e "vender esta posição estratégica em termos geográficos". O documento, no entanto, não especifica o porquê da menção da base, apenas que a relação entre os dois países no tocante à base militar deve ser "vista com mais cautela".
O segundo é o destaque da violência policial no Brasil. Diante do aumento da importância de movimentos sociais, como o Black Lives Matter, Trevisan avalia como bastante negativo para a imagem brasileira o fato de o país estar mais uma vez vinculado à violência. Para ele, o turismo e os investimentos estrangeiros tendem ser prejudicados.
"É impossível deixar de notar que nós estamos caminhando do lado errado na construção da imagem, da marca Brasil no imaginário tanto de consumo quanto de investimento em qualquer cenário internacional. Isto é efetivamente preocupante", finaliza Trevisan.