Desde a última grande greve dos caminhoneiros no Brasil, em maio de 2018, quando o país parou dez dias seguidos, a delicada questão sobre o preço da gasolina e do diesel nos postos e nas refinarias tomou o debate nacional.
De olho em uma nova revolta dos caminhoneiros, o presidente Jair Bolsonaro quer um projeto para estabelecer um valor fixo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, ou a incidência do ICMS sobre o preço dos combustíveis nas refinarias.
Para Antonio Marcelo Jackson, cientista político do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto, ouvido com exclusividade para esta reportagem, há inúmeros problemas com a proposta do governo.
Em um país de dimensões continentais que depende do sistema rodoviário para transporte de cargas, a questão sobre controlar ou não o preço do combustível se tornou assunto para diversos economistas e cientistas políticos. No Brasil, prevaleceu o entendimento do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Os preços se ajustam de acordo com as leis do mercado.
Em função de diversos problemas externos e internos, como a COVID-19, o preço dos combustíveis no Brasil subiu vertiginosamente nos últimos anos.
"O que o senhor Jair Messias Bolsonaro faz? Ele simplesmente vai governar para esse grupo [caminhoneiros]. Pouco importando se ele vai criar problemas estruturais, na medida em que a arrecadação diminua, para todas as 27 unidades da Federação. Isso é típico do governo Bolsonaro. Ele não governa para o país. Ele governa para os seus grupos de apoio", afirmou.
Viabilidade política do projeto
Bolsonaro não nega que a alta, principalmente de gasolina e do diesel, preocupa o Palácio do Planalto. Combustíveis caros são ruins para a popularidade de qualquer governo. Além disso, preços altos significam um entrave econômico dentro de qualquer cadeia de produção. Em um país assolado pela pandemia de COVID-19, uma paralisação seria fatal para uma economia que ainda sofre para retomar o crescimento.
Neste contexto, o cientista político entende que é preciso verificar a origem de uma eventual paralisação. "Boa parte desses caminhoneiros não são autônomos, estamos falando de empresas de transporte, que exploram em demasia o trabalho desses profissionais", enfatizou.
Os caminhoneiros estão insatisfeitos com o alto preço do combustível e o baixo valor na tabela de fretes. Já os motoristas do BRT do Rio querem melhores salários e relatam falta de dinheiro para compra de combustívelhttps://t.co/vtdYs2JKdX
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) February 1, 2021
Para ele, "se pudéssemos separar o joio do trigo, se pudéssemos identificar qual é o tanto dos caminhoneiros que são funcionários das empresas de transporte daqueles que são autônomos, aí verificarmos quem afinal de contas quem está sendo acertado com essa proposta, se as empresas ou os autônomos".
Uma proposta motivada por uma ameaça de greve
Antonio Marcelo Jackson observa que "não existe país no mundo que dependa tanto de transporte rodoviário como o Brasil. Para ele, a medida do presidente Bolsonaro mostra preocupação com uma greve, mas não está claro se "ela é [a preocupação] com o caminhoneiro autônomo, ou é para com as empresas de transporte rodoviário".
Vamos cruzar os braços nesta quarta-feira, diz liderança dos caminhoneiros sobre nova paralisação https://t.co/4FUj1hTB7Z
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) February 18, 2020
Questionado se os preços dos combustíveis potencializam campanhas eleitorais, o entrevistado disse que "se fosse possível separar o joio do trigo, ou seja, verificar o quanto desses motoristas caminhoneiros são funcionários de empresas de transporte daqueles que são autônomos, isso em primeiro lugar; em segundo lugar, pensando que toda categoria apoiasse Jair Messias Bolsonaro, então é claro que se reposta for sim, eu diria que ok, isso potencializa uma campanha política eleitoral. Até porque, conforme Bolsonaro já disse em outras entrevistas, ele está em campanha desde de janeiro de 2019. Ele não administrou o país ainda. Estamos aguardando medidas administrativas do senhor Jair Messias Bolsonaro".
A delicada questão do ICMS
O ICMS é um imposto estadual, cobrado sobre a venda de produtos. As tarifas variam de acordo com o tipo de mercadoria. Alterações no modelo dependem de aprovação no Congresso. Atualmente, o ICMS é cobrado no momento da venda do combustível no posto de gasolina, e cada estado pratica uma porcentagem própria.
Segundo a Petrobras, a composição de preço pago pelo consumidor do diesel S-10 nas principais capitais é a seguinte: 16% na distribuição e revenda; 14% no custo do biodiesel; 14% de ICMS; 9% de Cide e Pis/Pasep e Cofins; e 47% para Petrobras. Bolsonaro sempre defendeu a cobrança do ICMS na refinaria. Mas jamais tomou medidas nesse sentido.
Para o cientista político Antonio Marcelo, "é simplesmente inviável politicamente essa proposta". "Sobre a viabilidade política do percentual fixo para o ICMS, eu recorro a pessoas que entendem mais do que eu a respeito da economia, lembrando o seguinte: é preciso prensar, em primeiro lugar, que em um país de dimensões continentais como o Brasil, como é que esse combustível, seja petróleo bruto ou refinado, chega nas regiões? Como ele chega no Acre? No Rincão do Amazonas? Ou no Pará? Goiás? Mato Grosso? Enfim, será que o tratamento igual para uma situação tão desigual é a ideal?", questionou.
Ainda segundo ele, "isso aqui estou imaginando que a proposta fosse uma proposta honesta, de boas intenções. Coisa que, como eu disse antes, eu não acredito. Então, quer dizer, é simplesmente inviável politicamente essa proposta. Até porque você está mexendo com todas as unidades da Federação. Bolsonaro quer governar para os seus segmentos sociais, para aqueles segmentos que o apoiam, e não governar o país. Ele não é um presidente de país, ele é um presidente de grupos. Esse é o problema".