A bióloga brasileira Monica Giacometti Mai precisou recorrer a essa solução. Vivendo em Lisboa desde 2017, ela trabalha em um laboratório em Cascais, a meia hora de carro. Além disso, às vezes têm que viajar a trabalho para o Algarve, no sul de Portugal. Ela e uma vizinha do prédio onde mora, ambas com filhos de cinco anos, decidiram contratar uma babá para ajudar a cuidar das crianças, já que os pais também trabalham.
"Se não fosse a babá, eu não conseguiria fazer meu experimento [científico]. Tive que viajar a trabalho nas duas últimas semanas e quase fui ontem [segunda-feira] também. A gente anda tão ocupado que ela está fazendo as atividades com meu filho", explica Monica Mai à Sputnik Brasil.
Inicialmente, o governo havia determinado que as aulas presenciais nas escolas ficariam suspensas por duas semanas. Os alunos teriam férias, e esses dias seriam repostos mais à frente. Pelo planejamento oficial, desde a última segunda-feira (8), os estudantes passaram a ter ensino à distância, mas algumas escolas particulares, como a do filho de Monica, anteciparam as atividades virtuais.
"Ele já teve aulinhas nos dias 1º, 3 e 5. Mas é só uma hora de atividades, dia sim dia não. Acho que na idade deles é mais para manterem contato com os coleguinhas e a professora, porque eles não têm muita paciência de estar parados muito tempo. Os jogos são visualmente mais atraentes, com músicas animadas e vários outros estímulos e tarefas que acabam por deixá-los aficionados", compara.
Mesmo com dificuldades para conciliar o trabalho com o ensino do filho, a bióloga está ao lado da ciência e concorda com o fechamento das escolas determinado pelo governo português em função do agravamento da pandemia. No fim de janeiro, Portugal chegou a ser o país com o maior número de mortes e casos de COVID-19 por milhão de habitantes.
A ajuda da babá também tornou a jornada dupla menos extenuante do que na primeira onda da pandemia, quando as escolas ficaram fechadas por mais de um mês. A tendência é a de que o governo prorrogue o estado de emergência no fim desta semana e também estenda o período em que os colégios vão permanecer fechados.
"Acho totalmente necessário [o fechamento das escolas]. A contaminação na faixa de idade escolar estava super alta, principalmente na de cinco e seis anos. Está mais fácil agora. Na primeira vez, não contratamos ninguém, e foi muito complicado", avalia.
Carioca tenta dar conta sozinha do ensino à distância de três filhos
A alguns quilômetros da casa da bióloga mora uma carioca homônima, a dentista Monica Scheidt. A diferença é que lá o trabalho escolar é triplicado, já que ela tem três filhos, de cinco, sete e nove anos. Segundo ela, as duas semanas de férias escolares foram mais fáceis e relaxadas. Com o início das aulas on-line, ela, que está trabalhando como consultora imobiliária enquanto espera a equivalência do seu diploma brasileiro de Odontologia, também encontra obstáculos para conciliar suas atividades profissionais com as das crianças.
"Ontem [segunda] começaram as aulas on-line, e é muita microgestão, me consome muito tempo. É muita coisa para imprimir, são três com aulas para gerir links em português, inglês e francês, grades de horários diferentes etc. Nem consegui trabalhar direito", relata Monica Scheidt.
Enquanto concedia entrevista à Sputnik Brasil por telefone, a carioca usava as quatro horas em que a empregada doméstica estava em sua casa para poder ir ao mercado fazer compras, sem as crianças, já que o pai está trabalhando em Angola. A jornada tripla dela tem ainda um outro percalço: há apenas um computador em casa para os três filhos. O jeito é improvisar com dois tablets.
"Empresto o meu computador para minhas filhas Malu e Inês, que são mais velhas, e elas revezam. O Miguel usa o iPad pequeno. Ele não é autônomo nisso, então tenho que ficar ao lado durante as aulas, meia hora de manhã e meia hora à tarde, senão, ele se distrai e levanta. As meninas são muito mais autônomas, mas é muita informação para gerir no Google Classroom. Tenho que vigiar o início das aulas. Resumindo, não é fácil", sintetiza.
A falta de equipamentos tecnológicos em lares portugueses, aliás, é um dos principais gargalos do governo para instituir o ensino à distância. Há pouco menos de uma semana, faltavam 335 mil computadores a ser entregues a estudantes carentes, devido ao atraso de abastecimento de fabricantes. Já haviam sido entregues 100 mil a alunos do secundário (equivalente ao ensino médio brasileiro), e o Conselho de Ministros autorizou a compra de outros 15 mil, totalizando 450 mil.
Para se ter uma ideia, no Brasil, há cerca de 6,6 milhões de estudantes sem acesso à Internet, a maioria da rede pública, dificultando o acesso a ferramentas de ensino à distância durante o período em que as aulas foram suspensas. No entanto, o Ministério da Educação manteve a realização do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que é a principal porta de entrada para o ensino superior brasileiro e também é aceito em mais de 40 universidades portuguesas.
No entanto, as provas do Enem no fim de 2020 tiveram a abstenção recorde de 55,3% dos inscritos. Já a edição digital do exame, inédita, que terminou no último domingo (8), teve 71,3% de estudantes faltantes. Enquanto isso, em Portugal, há cerca de 700 escolas de acolhimento para receber alunos vulneráveis, sem acesso à Internet, além de filhos de trabalhadores essenciais, como profissionais de saúde.
Sindicato de professores anuncia greve por melhores condições
Segundo levantamento do jornal Público, entre quatro mil e cinco mil jovens compareceram a essas unidades de acolhimento para o início das aulas on-line, nesta segunda (8). Pode soar contraditório um ensino à distância com estudantes nas escolas. Ainda assim, de acordo com dados da consultoria Produtos e Serviços de Estatística (PSE), desde que as escolas fecharam, no dia 22 de janeiro, até o dia 5 de fevereiro, a média de confinamento subiu para 50,6% nos dias úteis.
Não é o suficiente para o Sindicato de Todos os Professores (STOP), que anunciou um pré-estado de greve nacional até sexta-feira (12), deixando a critério de cada trabalhador aderir ao número de dias de paralisação, seguidos ou alternados. O principal objetivo é pressionar o governo a melhorar as condições de saúde e de trabalho para os profissionais de educação durante a pandemia.
Em comunicado divulgado em seu site, o STOP questiona principalmente como o governo pretende salvaguardar a situação dos professores com filhos menores no contexto do ensino à distância. Além disso, recorda que, em abril de 2020, o primeiro-ministro António Costa prometeu que, no próximo ano letivo, todos os alunos teriam direito a um computador e acesso à rede.
"Face à irresponsabilidade do governo em não ter garantido as condições para o ensino à distância e não ter garantido as condições para todos os Profissionais da Educação/alunos que estão a ir para as escolas, o STOP vai manter os pré-avisos de greve para dia 8 e até dia 12 fevereiro. Também alertamos o governo que tem de começar, desde já, a preparar o regresso ao ensino presencial o mais cedo possível mas com condições de segurança e qualidade para todas as comunidades educativas", lê-se em um trecho do comunicado.
Ainda de acordo com o sindicato, em outubro 2020, o governo prometeu realizar testes de diagnósticos rápidos de COVID-19 nas escolas mas, até há bem pouco tempo, isso não foi verificado, apesar de a Cruz Vermelha ter disponibilizado gratuitamente meio milhão de testes para as escolas em setembro.
O STOP acrescenta que, em janeiro, antes do encerramento das escolas, mas já com pandemia descontrolada, o governo defendia que as escolas deviam continuar abertas devido à sua função essencial, mas os profissionais da educação estavam e continuam sem ter o direito à integração na lista prioritária de vacinação.