Liderado pelo eurodeputado português Francisco Guerreiro (Verdes/ALE), o documento pede que a suspensão se dê pelo tempo necessário para se encontrar, se possível, uma solução legal e adequada à concretização do acordo. A missiva também é dirigida a Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que, no início da presidência portuguesa rotativa do Conselho da UE, disse que é uma obrigação dos 27 países do bloco concluir o acordo neste ano.
Segundo a carta, recentemente, responsáveis da Comissão Europeia declararam estar em diálogo com países do Mercosul, em especial com o governo brasileiro, para negociar compromissos adicionais sobre o desmatamento e o clima. Os 65 eurodeputados consideram que o acordo é prejudicial e provocará um aumento significativo da desflorestação na região do Mercosul, que carece de políticas claras e eficazes de proteção ambiental e garantias de sustentabilidade.
"Compromissos adicionais que não sejam exequíveis e sancionáveis, e que não tenham uma vinculação legal explícita ao texto principal, não serão suficientes para resolver as lacunas do acordo. Se a Presidência quer ser coerente com o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu, não pode avançar com a ratificação deste acordo comercial, tal como se apresenta", lê-se em um trecho da carta.
De acordo com os membros do Parlamento Europeu que assinam o documento, existe um amplo consenso científico e político sobre a necessidade de integrar plenamente os objetivos ambientais e sociais na base do acordo, e o próprio Parlamento declarou que este não pode ser ratificado na sua forma atual. Por isso, os eurodeputados acreditam que há necessidade de reabrir as negociações, como explica Francisco Guerreiro.
"Uma verdadeira obrigação da UE27 é alcançar os seus objetivos climáticos. Grandes preocupações sobre o acordo UE-Mercosul têm vindo não só de organizações ambientais, povos indígenas e peritos, mas também de muitos chefes de Estado e parlamentos", pontua o eurodeputado português.
Depois de ter sido selado em junho de 2019, o acordo está sendo traduzido para todas as línguas oficiais da UE e verificado juridicamente. Em seguida, para entrar em vigor, os legislativos de todos os 27 países integrantes precisam chancelá-lo. Os últimos passos são a análise e a aprovação pelo Parlamento Europeu. Os eurodeputados signatários da carta pertencem às bancadas dos Verdes, do Grupo de Esquerda, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas e do Renew Europe.
Alguns países, como França, Alemanha, Holanda e Áustria já demonstraram a intenção de não ratificar o pacto, sobretudo após o crescimento do desmatamento e das queimadas na Floresta Amazônica durante o governo de Jair Bolsonaro. Outros parlamentos, tais quais os de Bélgica, Irlanda e Luxemburgo também oferecem resistência.
Questão ambiental é desculpa para protecionismo agrícola, diz cientista político
Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Ciência Política e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Andrés Malamud explica à Sputnik Brasil que o acordo negociado por ministros e diplomatas ainda não foi assinado pelos chefes de Estado, motivo pelo qual não pode ser ratificado pelos parlamentos. Na opinião dele, o desmatamento e as queimadas são um pequeno entrave para a assinatura, mas que deve ser o suficiente para conseguir inviabilizá-la.
"Mas são sobretudo uma grande desculpa: uma dúzia de membros da UE liderados pela França (mas não Portugal) defende políticas de protecionismo agrícola incompatíveis com a pequena liberalização proposta pelo acordo. Esses países aproveitam os modos ruins de Bolsonaro e a questão ambiental para empatar, e provavelmente serão bem-sucedidos", prevê Malamud, professor recorrente em universidades da Argentina, Brasil, Espanha, Itália e Portugal.
Em uma jogada de marketing, o governo Bolsonaro anunciou, nesta semana, o programa "Adote 1 Parque", que prevê que empresas privadas ou pessoas físicas doem dinheiro ao Ministério do Meio Ambiente para conservar áreas protegidas. Nesta quarta-feira (10), o vice-presidente Hamilton Mourão também divulgou o novo Plano Amazônia 21/22, com a retirada dos militares da Amazônia no fim de abril.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista brasileiro Eduardo Fortes, doutorando na Universidade de Lisboa, concorda que a resistência no Parlamento Europeu, principalmente de partidos nacionalistas e ambientalistas, que acreditam que o acordo pode favorecer ainda mais a devastação ambiental, não está restrita ao crescente desmatamento e à falta de um maior comprometimento do atual governo brasileiro com o controle da destruição ambiental e monitoramento dos impactos nas populações indígenas.
"Se, por um lado, o acordo ameaça o meio ambiente e gera reações de produtores rurais europeus, por outro, ele é um trunfo e favorece a negociação dos países europeus com outro grande fornecedor de produtos agropecuários, os Estados Unidos", analisa Fortes.
De acordo com ele, a união entre UE e Mercosul traz uma mudança no cenário do comércio internacional, pois representa aproximadamente um quarto da economia global, com um mercado consumidor de cerca de 800 milhões de consumidores. O especialista lembra que, apesar do significativo potencial de comércio, oportunidades e geração de renda, o acordo está em análise há 20 anos. Ele frisa que o pacto demanda ajustes muito delicados em temas como exigências fitossanitárias, normas técnicas e propriedade intelectual, indo muito além de um trivial ajuste tarifário.
"A concretização do acordo exige um equilíbrio de diferentes interesses em uma dupla negociação, uma interna (intra-bloco) e uma segunda entre os blocos (externa). Neste sentido, além da conjugação dos múltiplos interesses nacionais e internacionais, o momento da ratificação é crucial, por isso o longo tempo de negociação", justifica.
Economista aponta vantagens para Mercosul e Brasil com o acordo
Segundo Fortes, uma análise do comércio entre o Mercosul e a UE (2007-2020) aponta um resultado vantajoso para o bloco sul-americano, sublinhando um saldo comercial positivo, exceto entre os anos de 2013 e 2015, quando o intercâmbio não foi favorável. Uma avaliação pormenorizada indica ainda que o Brasil também registra majoritariamente um saldo transacional positivo com a UE.
"Algumas projeções do Ministério da Economia brasileiro apontam um aumento do PIB brasileiro entre US$ 87,5 [R$ 469,9 bilhões] e US$ 125 bilhões [R$ 671,3 bilhões], devido à redução das barreiras não tarifárias e ao ganho de produtividade. Esse impulso surge não apenas do comércio bilateral, mas do incremento nos investimentos direcionados ao Brasil, cerca de US$ 113 bilhões [R$ 606,8 bilhões]", estima.
"Com o acordo totalmente implementado, 92% das importações provenientes do Mercosul entrarão livres de tarifas na UE, e 91% das importações provenientes da UE, livres de tarifas no Mercosul. Apesar das projeções, setores de produção de aço são refratários ao pacto, pois haveria uma perda, tanto na preferência em relação ao Mercosul, quanto à possibilidade de concorrer com países fora do bloco europeu, que ingressariam no Mercosul através de empresas europeias", ressalva.